Trump e Putin encontraram-se, pela primeira vez, publicamente. Os holofotes do mundo apontaram, recentemente, para a cimeira dos G20 que teve lugar na Alemanha. Para estes lideres não se trata de um simples encontro, mas de uma oportunidade exclusiva para gerirem, de forma eficaz, as impressões do grande público, nos planos interno e externo. Ambos estão cientes de que não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira boa impressão, ao nivel das dinâmicas de relacionamento e de gestão da autoridade.
Em liderança política, a gestão de impressões é fundamental para se ganhar eleições, para se gerir dinâmicas de poder e para se influenciar o grande público. Porquê? A ciência revela que as estruturas mais ancestrais do cérebro – cérebro emocional e reptiliano (Maclean, 1990) -, têm um peso relevante no processo de tomada de decisão, no entanto, não compreendem a linguagem verbal. Estas áreas do cérebro tomam decisões, em grande medida, tendo por base a comunicação não-verbal observada (ex.: expressões faciais da emoção, gestos, postura, movimento, tom de voz, estatura, aparência, etc.). Daí que, a comunicação do líder, em especial a não-verbal, é cada vez mais encarada como sendo crucial, para influenciar favoravelmente a opinião pública.
O primeiro fator a ser considerado na relação de Trump com Putin é a altura. Trump tem maior estatura do que Putin, o que facilita ser percecionado como o mais dominante na interação. A questão que se coloca é se, estrategicamente, quer tirar partido dessa componente neste primeiro encontro ou, pelo contrário, quer atenuar esta característica com comportamentos de maior aproximação e até submissão. A ciência revela que uma estatura mais elevada está relacionada com dominância, status social e competência. Num estudo recente, 2/3 dos participantes escolherem para líder ideal, indivíduos 12% mais altos do que a média. Um outro estudo, que analisou os candidatos às eleições presidenciais durante vários anos, revelou que, em aproximadamente 60% dos casos, o mais alto dos candidatos ganhou, fosse na ala democrata ou republicana. A ciência revela ainda que as impressões são formadas rapidamente e decorrem, em grande parte, de instintos primitivos que continuam ativos, fruto da evolução da nossa espécie. Os nossos ancestrais viviam em grupos que estavam muito frequentemente envolvidos nos mais diversos tipos de conflitos e a expetativa das pessoas era que o individuo mais alto as defendesse e liderasse. Ainda hoje estamos reféns desta tendência comportamental.
No primeiro encontro, selado com o ritual do aperto de mão, Trump revelou comportamentos de grande aproximação e baixa dominância, dois dos principais fatores a termos presentes na análise da eficácia da comunicação em liderança. Trump fê-lo de forma consciente, dado que os indivíduos mais altos tendem a ter comportamentos mais dominantes quando interagem de forma breve, de acordo com um estudo publicado em 2015, em especial, se têm um traço de elevada extroversão, como parece ser o caso.
A espelhagem comportamental é fundamental na gestão de impressões junto da opinião pública. Quando mais completa e regular for a espelhagem, maior a tendência para as pessoas percecionarem a existência de uma relação habilitadora entre os intervenientes.
Trump tomou a iniciativa e apresentou um aperto de mão parcialmente submisso, com a palma da mão ligeiramente para cima, revelou aproximação com o tronco, olhou diretamente, com uma face amigável, para Putin e deu três toques na parte inferior do antebraço do seu interlocutor. Geralmente, a mão esquerda é apoiada no braço do outro, durante o ritual do aperto de mão, numa tentativa de neutralizar um eventual ímpeto dominante, no entanto, neste caso, existiu uma variação interessante. Trump optou por dar três pancadas no antebraço de Putin sinalizando, sobretudo, reforço amistoso. O toque é uma forma de linguagem e o ser humano, de acordo com um estudo de 2009, da Universidade DePauw, consegue comunicar de forma inata oito emoções distintas através do toque – raiva, medo, nojo, amor, gratidão, simpatia, felicidade e tristeza -, com uma precisão de 78%.
Putin acomodou rapidamente o comportamento do seu interlocutor e aceitou a posição de domínio que lhe estava a ser concedida. Logo de seguida, apontou o dedo a Trump, numa tentativa de consolidar a sua dominância territorial, colmatando uma potencial desvantagem competitiva inerente à sua baixa estatura.
Durante a conferência de imprensa os líderes revelaram sintonia afetiva, dado que espelharam o comportamento um do outro ainda que, nalgumas situações, apenas de forma parcial.
Trump inicia, mais uma vez, o ritual do aperto de mão e concede a Putin mais uma mão dominante. O ritual do aperto de mão foi rápido e firme.
Recordo que o comportamento de Trump, desta vez, foi manifestamente diferente daquele que pudemos assistir com o Presidente Abe do Japão. Nessa ocasião, Trump liderou um aperto de mão de, aproximadamente, 19 segundos e manifestou diversos sinais de supremacia não-verbal, puxando e ocultando a mão de Abe e forçando o Presidente Japonês a ficar com o pulso instável e a revelar vulnerabilidade.
Desta vez, Trump foi mais subtil. Depois de ter concedido o aperto de mão dominante ao seu interlocutor, manifestou intenção de compensar essa concessão inicial, no plano das dinâmicas de poder, ao apontar a sua mão em frente, como que o autorizando Putin a começar a falar.
Putin respondeu no seu padrão habitual. Primeiro, contido na forma como recebeu as palavras de Trump, depois, na fase ativa de fala, com um comportamento emocionalmente dissociado, evitando um contato visual prolongado com o seu interlocutor e revelando, a certa altura, algum desconforto emocional, ao manifestar gestos de pacificação enquanto olhava para baixo e sob o olhar altivo do seu interlocutor. Os seres humanos realizam gestos de auto-toque, de forma automática, quando estão a sentir necessidade de se acalmar. Dado que vinha preparado, o resto do seu corpo continuou a revelar poder pessoal, com as pernas afastadas, as pontas dos pés a apontar para fora e os cotovelos afastados num registo de conquista de espaço. Não obstante, nesta fase, Putin manifestou alguma incongruência na sua Linguagem Corporal, o pode ter quebrado, por momentos, a sintonia com o seu target.
Porém, já no final da sessão, quando os olhares estão menos atentos mas ainda assim recetivos, e a última impressão também conta, Putin recuperou a sua matriz natural e revelou a posição de maior dominância, a que se tinha permitido até então. Com os braços suportados pelos apoios do sofá, numa posição de conquista de espaço, que é acompanhada pelo resto do corpo, e as mãos bem visíveis e descontraídas, fez-nos recordar, por momentos, o tempo dos Czares.
Professor na Universidade Europeia