As eleições estão ganhas pela Coligação? A resposta é claramente não. Mas haverá algo de já adquirido? A resposta é claramente sim: ao contrário do que faria supor a aclamação (quase) universal do novo Messias, António Costa, revelou-se muito difícil vencê-las. É um dado desde já.

Quem diria, quando há um ano exactamente aconteceu a defenestração de António José Seguro por António Costa! Ele há, de facto, um certo tipo de meios que torna tudo fácil. Com os meios usados por Costa, correr com Seguro foi, isso sim, um passeio tranquilo pela Avenida da Liberdade abaixo. Conquistado o Rossio, estava conquistado Portugal. Não se diz ou dizia que Lisboa era o País inteiro ?

Primeiro, não é. Segundo, afinal apenas o Rato fora tomado de assalto. Não tardou muito a verificar-se que nem o Rato era o Rossio, nem Lisboa era Portugal. (E o próprio Rato era muitas coisas.)

E outros dois factos se deram então a ver, mas que o clima de geral euforia suscitada em torno de Costa, venerado como um general  do Império regressado a Roma após uma vitória triunfal, impediu de dizer. Que Costa não olhava a meios; que Costa se dava a si mesmo por vencedor ainda antes de ter vencido.

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Venceu Seguro, e nunca se falou nos meios porque em política tem razão quem ganha, e não quem se preocupa com limpeza. Mas Costa não teve logo a razão toda, pelo prosaico motivo de que ainda não ganhara tudo. Faltava ganhar a decisiva peleja eleitoral agora em curso.

Uma peleja árdua, como Costa e o PS (e a esquerda em geral) nunca imaginaram. O optimismo leviano do novo líder não provém de uma visão do mundo saudavelmente solar (como a de Soares, por exemplo). Constitui uma forma de arrogância, um excesso de confiança em si mesmo, uma avaliação precipitada e errada do adversário, que subestima. Só uma infinita displicência, inteiramente deslocada, pode explicar o desleixo com que enfrentava Seguro nos debates televisivos. Chegava o ar “blasé” de quem cumpre um ritual obrigatório e tremendamente maçador. Chegou para Seguro, porque a audiência, previamente rendida ao salvador, nada mais exigia a não ser que Costa fosse eleito, com primárias ou sem elas. E que, veloz como Aquiles, de um salto ágil e rápido, com um simples estalar de dedos, se tornasse o próximo primeiro ministro.

No caminho para o poder, afinal longo e pejado de obstáculos, Costa tem cometido até hoje muitos erros que já têm sido apontados um a um. Não os vou repetir. Não foi preciso chegar à campanha eleitoral para perceber que Costa era um político incompetente e, mais, um homem do passado. Quando não se tem o poder, que cimenta (quase) tudo; quando não se tem o poder e não é possível distribuir prebendas, só verdadeiramente lidera quem saiba o rumo certo e seguro, em vez de tentar adoçar a azia das facções que se guerreiam no partido; agradar a tudo e todos não é receita para o sucesso. Nem falo de “visão”, que muitas “visões” são visionárias, utópicas ou despóticas. Falo, prosaicamente, de “rumo”, rumo certo e seguro, inculcado com convicção e firmeza, que não concilia mas disciplina as facções e as obriga a convergir.

António Costa não foi, não é, um líder desta cepa. Tem o cargo, mas não lidera. E ainda que ganhe as eleições, não liderará o País: irá ao sabor das ventanias, como tem feito até aqui. Continuará sem rumo certo e seguro.

Todas as falhas, tropeços, pára-arranques e inversões de marcha que temos observado nesta campanha não passam de ramificações inevitáveis de um tronco carcomido por uma praga de parasitas; decorrem de um erro estratégico fatal. Sobre esse erro, que muita gente já notou, João Carlos Espada explicou-se com pedagógica clareza no Público: “O Partido Socialista tem sido desde há quarenta anos a fronteira da liberdade” (cito de memória). É, ou era, esta a herança maior de Soares, que não se dispôs a ser um segundo Kerensky nos idos de 1974-76. Pois Costa está disposto a ser um segundo Marchais ao contrário, o líder do PC francês com quem o socialista Mitterand se uniu – mas para o destruir e erradicar. Soares aprendeu com Kerensky; Jerónimo & Ciª aprenderam com Marchais.

Pulido Valente escreveu há dias que bastava arranhar o verniz de um socialista para descobrir logo um “tiranete”. Acontece que sob o verniz de um estalinista se alberga um verdadeiro tirano. Costa, incauto, pensa que o governo da Câmara de Lisboa é o mesmo que o governo do País. Se ganhar, logo se lembrará do PREC que já esqueceu.

É justo e plausível julgá-lo capaz de um “consenso” com a extrema-esquerda? Infelizmente é. Primeiro, já fechou a porta à Coligação; depois, ele próprio o proclama, a título de exemplificação do seu prodigioso talento para “fazer pontes”, gerar concórdias. Não apenas proclama: também promete (ou ameaça?). Escolheu Mário Centeno, praticamente um “neoliberal”, mas pisca o olho a António Nóvoa, um candidato presidencial que ignora o que ele próprio seja mas que sabe uma coisa: é inadmissível rejeitar a possibilidade virtuosa de a Esquerda, do PS ao Bloco e ao PCP, ser governo em Portugal.

Para salvar a pele, Costa está disposto a tudo, e “que se lixe o País”, como Passos dizia das eleições, porque primeiro estava Portugal. Mostra-se disposto a renegar o papel histórico do PS como “fronteira da liberdade” a troco da ilusão, pura ilusão, de que dominará uma espécie de Frente Popular do PS-Bloco-PCP. Que uma tal aventura seja o prelúdio de um arraso nacional não o incomoda. Não impediu a “galambização” do PS. Ainda não fechou a porta a António Nóvoa. Um Presidente, uma Maioria e um Governo? Já ouvi isto, sim, mas vinha de gente que estava do lado de cá da fronteira da liberdade.

Costa é um candidato acossado, até atropelado pela urgência de vencer. Nestas excruciantes circunstâncias vale tudo; o último a sair que  apague a luz. Uma vitória “poucochinha” talvez o leve ao poder, mas não chega certamente para governar – se por aqui se entender mais do que um dilúvio de recompensas esfaimadamente aguardadas.

Já nem falo do programa. Marx não deixou catecismo ou receita para o mundo global e pós-moderno. Costa e a esquerda não são capazes de inventar uma. Apenas têm um passado falido para oferecer. Não é um exercício desinteressante o de ponderar os votos favoráveis à Coligação que as sondagens registam na  “faixa jovem”, apesar de tão flagelada: mais do que os do PS! Qual é a admiração?!