1. Pela primeira vez, um político português “assumiu” a homossexualidade. Por azar, o político em causa é uma obscuríssima secretária de Estado, que permaneceria na obscuridade não fosse a entrevista encomendada ao “Diário de Notícias”. Na prática, a “revelação” não escandalizou vivalma, já que, descontados pervertidos terminais, os hábitos sexuais de anónimos deixaram de excitar as massas. Curiosamente, excitam os maluquinhos das “causas”, que vêem nestas trivialidades um acto de coragem sem precedentes.

Coragem? É um pouco excessivo. Coragem seria “assumir” que se é uma coisa abominada pela maioria das pessoas ou, sobretudo, pela maioria das pessoas que mandam aqui. Coragem seria, no Portugal de 2017, defender – defender de facto e não em língua de pau – a democracia, a liberdade, o Ocidente, os refrigerantes ou insignificâncias similares. Coragem seria tomar uma posição que colocasse a sra. secretária de Estado em risco de perder amigos, família, emprego ou pelo menos o sossego. Assim, o que no máximo perderá é a possibilidade de assistir à Festa do “Avante!”, nada permissível a esquisitices. No mínimo, ganhou a notoriedade de que não dispunha e a admiração de pasmados.

Do que conheço, sou incapaz de garantir que a sra. secretária de Estado tem coragem. Porém, a julgar pelo currículo profissional e não pelas preferências lúbricas, sei o que a sra. secretária de Estado não tem: vergonha. Muito mais revelador do que a “revelação” é o preâmbulo à entrevista ao DN, onde se nota que passou pelo centro de “estudos” do prof. Boaventura, pela Administração Interna do dr. Costa, pela autarquia do dr. Costa, pelo grupo parlamentar do dr. Costa e, enfim, pelo governo do dr. Costa. Se uma cidadã assume sem hesitação tamanha série de monstruosidades, “assumir” a homossexualidade, inclinação que não lhe trará sombra de problema, é canja.

O único ponto relevante na entrevista – na qual, de resto, entrevistadora e entrevistada trocam clichés com galhardia – é, como diriam os burgessos que discorrem nos programas de “cultura”, o sintoma de que o paradigma se alterou. Dantes, um dos critérios do sucesso público era a eficácia com que se escondia a cama. Hoje, é bastante útil trazê-la para a rua e mudar os lençóis na cara dos transeuntes. A alteração é boa? É má? É o que é: as regras de uma actividade desde sempre subordinada à demagogia. A nova heroína dos direitos “gay”, que vive assustadíssima com o sr. Trump e a extrema-direita, não gasta uma linha da entrevista a falar do islão.

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Tudo espremido, sobra um golpe publicitário e, com jeito, uma ajudinha na espécie de carreira a que a sra. secretária de Estado se dedica. Ela própria confessa, mesmo que com outros propósitos: “Esta minha afirmação é completamente política”. Ninguém duvida.

2. Rita Ferro Rodrigues, filha do estadista com o mesmo nome (menos o “Rita”), indignou-se com uns livros de passatempos da Porto Editora. A sra. dona Rita, que deve ter imenso tempo livre e não se indigna com as figuras do pai ou com o tratamento que culturas exóticas dispensam à fêmea da espécie ou, sei lá, com um país a arder por incúria criminosa. Por sorte, lá reservou um pedacinho da agenda para achar indecente que os ditos livrinhos sejam orientados “para o menino” e “para a menina”.

De facto, é grave. Quase tão grave quanto, por exemplo, criar um site de opiniões e desabafos cometido exclusivamente por mulheres, onde se publicam textos acriançados sobre assuntos sérios e textos pedantes a propósito de patetices. Nas suas páginas virtuais, o primarismo do pensamento e o péssimo domínio da língua debatem-se para apurar quem leva a pior. Ambos saem vencedores por larga margem. O site “Maria Capaz” parece imaginado por um pervertido elemento do “heteropatriarcado”, a fim de tentar demonstrar que o cérebro feminino médio é vazio como os que se apresentam ali. O curioso é que foi imaginado pela sra. dona. Rita.

Entretanto, por contágio ou coincidência, o processo infantil pelo qual alguns querem reduzir o mundo às pastagens que lhes ocupam o crânio ganhou força. O zelo censório entrou em roda livre, os inquisidores das “redes sociais” exigiram fogueiras, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género – coisa que rivaliza em utilidade com um Trabant avariado – “recomendou” a censura dos livrinhos e a Porto Editora obedeceu. No que toca ao fim da desigualdade de género, e enquanto não retiram do mercado 99,7% da literatura universal, a actualização gradual do Index Librorum Prohibitorum é um passo importante. Porém, insuficiente: se queremos legar um mundo sem discriminação aos nossos filhos, ainda falta a castração compulsiva destes. Mas já faltou muito mais.

3. “Não temos medo”, gritaram milhares em Barcelona. O que significa isto? Que da próxima vez que um psicopata tentar atropelá-los eles correrão ao encontro da carrinha? Que não acham o terrorismo um perigo real? Que repetem o primeiro disparate que ouvirem? Que são imprudentes? Que são valentes? Que são estúpidos? Nada disso: apenas que são mentirosos. É claro que os catalães e os europeus têm medo, muito medo, tanto medo que recusam chamar pelo nome a ameaça que paira sobre eles – e que, com frequência, com crescente frequência, sobre eles literalmente avança. No fundo, esperam que a negação lhes compre a sobrevivência. Como se tem visto, é um bom plano.