Uma ocasião, tive de recorrer à internet para mostrar a um ex-amigo que Israel caberia com folga no Alentejo. Suponho que na cabeça dele, pendente à esquerda e licenciada em engenharia informática, décadas de ocupações, colonatos e genérico “imperialismo” teria alargado o território israelita para uma área similar à do Canadá. O meu ex-amigo, simpatizante da “causa” palestiniana, não é caso único.

Um professor de Ciências Políticas em Berkeley, Califórnia, Ron E. Hassner, fez recentemente um inquérito entre 250 estudantes de diversas universidades americanas. A primeira pergunta versava o apoio dos inquiridos aos cânticos de “Do rio ao mar, a Palestina será livre”: um terço apoiava o desígnio “entusiasticamente”, e 53% fazia-o de forma “moderada”. De todos, apenas metade sabia identificar o rio e o mar em questão – alguns referiram o mar das Caraíbas e o oceano Atlântico. Menos de um quarto conhecia Yasser Arafat (10% achavam tratar-se de um antigo governante israelita), e mais de um quarto nunca ouvira falar nos Acordos de Oslo. Quando confrontados com um mapa do Médio Oriente e meia dúzia de factos, e depois de esclarecidos de que o slogan “From the river to the sea…” implica a aniquilação de um país e dos seus habitantes judeus e árabes, perto de 70% dos inquiridos reviu a sua posição face a um conflito cujos pormenores desconhecem olimpicamente. Em artigo no Wall Street Journal, o professor Hassner concluiu que “não há vergonha em ser ignorante, excepto se berrarmos a pedir o extermínio de milhões”.

Por regra, a boçalidade e a falta de vergonha andam juntas. Juntas, tanto passeiam em prol do anti-semitismo (dava um rim, embora não dos meus, para que o inquérito tivesse incluído a questão: o que é o sionismo?) como desfilam a pretexto dos restantes “temas” que perturbam os apedeutas contemporâneos, da “ansiedade climática” à “identidade de género”, passando evidentemente pelo “racismo sistémico”. Se para Marx a luta de classes era o motor da História, o motor do marxismo é a ignorância. Ou a luta contra a realidade. Claro que isto não elimina as classes: há uma pequena classe de charlatães especializada em mentir, manipular e endrominar simplórios, e há uma vasta classe de simplórios especializada em acreditar no que os charlatães lhes despejam em cima.

Com jeito, e não é preciso muito, os simplórios acreditam no que calha. Acreditam que as emissões de carbono diminuem ao lançar-se tinta a propriedade alheia. Acreditam que a propriedade alheia lhes pertence. Acreditam que um homem é capaz de menstruar. Acreditam que os caucasianos são devedores de “reparações” em numerário a descendentes de outras “etnias”. Acreditam, lá está, que Israel pratica “limpeza étnica” sobre populações que crescem eufórica e exponencialmente. E juro: acreditam que o capitalismo gera pobreza e que o socialismo suscita a melhoria das condições de vida. Entramos, pois, na dimensão da fé, e a fé é cega, ou no mínimo bastante estrábica. Na óptica da esquerda, uma visão deficitária é essencial para imaginar o mundo às avessas.

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Claro que multidões de ceguinhos e estrábicos não caem do céu: já o sr. Gramsci, esse saudoso estalinista, explicava que é necessário produzi-los. Para isso, converteram-se as escolas em fábricas de tontos, onde a instrução “tradicional” acabou trocada por uma cartilha de alucinada babugem, dedicada a execrar a civilização judaico-cristã e a exaltar o atraso e a pura barbárie. Os resultados, na América e na Europa, estão aí, e não carecíamos do inquérito do professor Hassner para descobrir que o ensino, “superior” ou manifestamente inferior, se encontra tomado de assalto por uma quantidade significativa de charlatães (são os que auferem salário) e simplórios (são os que gritam de borla).

Os exemplos abundam. Dou um. O relatório PISA 2023, publicado agora, notou que na generalidade do Ocidente os alunos vão afocinhando sem remédio em ciências, matemática e línguas, ou seja em tudo o que desafie o primitivismo em voga. É natural: ocupar o tempo com manifestações pela Palestina, greves ecológicas e performances “trans” nunca prometeu ser um método eficaz de aprender a ler, escrever e contar. A geração mais mal informada de sempre tem a sucessão garantida. E os fanáticos ou tontos que nos ministérios, nas comissões disto e daquilo e nas direcções escolares congeminam semelhante desastre, também.

Não quero dizer que os governos ficaram indiferentes ao PISA. Pelo menos o nosso governo não ficou. Mesmo antes de sair, deixou reformas estruturais que respondem aos reais problemas do ensino. Impôs novos padrões de exigência curricular? Não exactamente. Aboliu das salas os telemóveis, os tablets, os computadores e demais pechisbeques usados para entreter jovens que padecem de “hiperactividade”? Nem por isso. Erradicou a disciplina de Cidadania e todo o entulho moralista que é competência das famílias ou do acaso? É o erradicas! O nosso governo sugeriu, e o parlamento aprovou, a “autodeterminação da identidade de género” nas escolas, maravilha que afectará as casas de banho, os nomes dos meninos e das meninas, as roupas dos meninos e das meninas, e a proibição de se desconfiar que um menino não é uma menina ainda que ele o afirme ser.

De agora em diante, o Zé Miguel que foi às aulas na segunda-feira poderá, após contemplar um vídeo inspirador no Tik-Tok, “identificar-se” como Matilde na terça, frequentar os lavabos femininos na quarta e, na quinta, vestir um cai-cai para vandalizar uma montra qualquer em nome do “ambiente”. Na sexta participa numa arruada a denunciar o “genocídio” em Gaza ou lá o que é. E ao fim-de-semana a Matilde descansa, que um homem não é de ferro. Um dia, o trabalhão do Zé Miguel em não aprender nada de nada será recompensado com um cargo distribuído pelo PS ou a chefia de uma das metástases do BE. Ao contrário do saber, a ignorância ocupa inúmeros lugares.