Em Maio de 2012, numa análise publicada pelo Institute of Economic Affairs, escrevi que a melhor esperança da zona euro poderia muito bem ser uma vitória de Alexis Tsipras. Agora, perante novas eleições e com o Syriza a liderar as sondagens, mantenho a opinião.

Note-se que isto não quer dizer que os riscos desse cenário devam ser menosprezados. Em primeiro lugar, porque a possível vitória de um partido de extrema-esquerda num país da União Europeia não deve ser tomada de ânimo leve. Depois, também porque a carteira de promessas irresponsáveis do Syriza – que inclui aumentos substanciais das pensões e do salário mínimo num país falido e com elevadíssimo desemprego – tem o potencial de causar graves danos internos na Grécia.

Convém no entanto não ignorar que o caminho seguido nos últimos anos não está a resultar. A estratégia de Bruxelas de manter a todo o custo e contra todas as evidências a Grécia na zona euro resultou no que está à vista: uma situação económica, social e politicamente insustentável. É em larga medida graças a essa estratégia que o Syriza está hoje às portas do poder na Grécia e que em várias partes da Europa florescem movimentos extremistas (a este propósito, recomendo dois artigos publicados por João Carlos Espada no Journal of Democracy: “The Sources of Extremism”, de 2012, e “The Missing Debate”, de 2014).

É verdade que a maioria dos gregos – incluindo o líder do Syriza e muitos dos que votarão no partido – continua a declarar ser a favor da manutenção do país na zona euro. Mas ao mesmo tempo o que os últimos anos revelaram é que, não obstante os muitos milhões de euros de crédito adicional canalizado para Atenas (ou talvez por causa deles), a execução das reformas internas ficou muito aquém do que seria necessário.

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Chegados a este ponto, e sem esquecer os riscos associados, há algumas boas razões para ter esperança numa vitória do Syriza. Perante a chegada ao poder da extrema-esquerda na Grécia, há essencialmente dois cenários possíveis. O primeiro, mais drástico mas também mais clarificador, consistiria no cumprimento das promessas eleitorais do Syriza. As consequências para a população grega seriam devastadoras, mas esse seria provavelmente o único cenário no qual as lideranças de Bruxelas e Berlim se poderiam convencer de que seria insustentável manter a Grécia na zona euro. O segundo cenário consisitiria na hollandização de Alexis Tsipras. Embora menos clarificador que o primeiro cenário, esta segunda hipótese teria ainda assim a importante vantagem de contribuir para esvaziar o balão de demagogia que a extrema-esquerda europeia tem vindo a encher.

É certo que nenhum dos dois cenários eliminaria a ameaça da extrema-esquerda e que novas “narrativas” seriam prontamente criadas: no primeiro cenário, a Grécia seria descrita como tendo sido punida pelas forças oligárquicas “neoliberais” que controlam a Europa a partir de Frankfurt; no segundo, Tsipras seria desmascarado ele próprio como um traidor e um “neoliberal” encapotado ao serviço da finança internacional (para um aperitivo pré-eleitoral desta linha de argumentação, veja-se aqui). Mas ambos os cenários incorporam a importante vantagem de implicar um confronto da retórica irresponsável e demagógica da extrema-esquerda com a realidade.

Assim, nas actuais condições, e sem deixar de lamentar o sofrimento adicional que um triunfo do Syriza provocará ao povo grego, a verdade é que uma vitória, clara e democrática, da extrema-esquerda nas eleições gregas é possivelmente o melhor que pode acontecer à Europa e em particular à zona euro. Caberá depois a todos os europeus retirarem dessa vitória os ensinamentos necessários.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa