Já escrevi que o Brexit foi o maior crime de lesa-futuro cometido em tempos recentes. Tanto assim que hoje ouso inventar um termo da mesma família – Regrexit – para designar o sentimento de arrependimento (regret) com o resultado do referendo e a esperança de um regresso à Europa. São milhares os manifestantes, bem como os comentadores, a perguntar com enorme preocupação o que vai a Inglaterra fazer. Neste momento, se referendo fosse repetido, já que o anterior não é vinculativo, o que a maioria dos eleitores queria era regressar à UE!
A prova de que nem os promotores do referendo nem os defensores do Brexit haviam meditado minimamente nos seus resultados para o Reino Unido é que não tinham a menor ideia para essa eventualidade, sem se darem conta que estavam a dividir o país de forma deplorável, basicamente pais contra filhos, sem falar da hostilidade maciça da Escócia e da Irlanda do Norte à saída, que ainda irá ter consequência para a unidade do reino. Perante a vertigem da saída, nenhum responsável apresentou um plano e um calendário.
Os poucos que foram obrigados a dizer qualquer coisa limitaram-se a declarar que não havia pressa… Então, se não havia pressa, por que razão não esperaram mais tempo para estudar em profundidade aquilo que fariam caso o eleitorado votasse pela saída, como as sondagens sempre ameaçaram ser o caso? Bem suspeitavam os mais lúcidos de que se tratava apenas de tricas partidárias no seio da casta dirigente do partido Conservador, que o primeiro-ministro Cameron não hesitou em transformar numa crise de todo o tamanho com um acto de perfeita irresponsabilidade!
Pois bem, as tricas partidárias deram no que se está ver. Não só nenhum dos triunfadores deste eco do antigo imperialismo britânico, que Portugal conhece bem, como não param de se demitir uns a seguir aos outros com o mesmo desplante. Extraordinário! Primeiro foi o dito Cameron, que não tinha outro remédio e passou a batata quente para o seu concorrente mais próximo, Boris Johnson, que de repente descobriu que não tinha vocação para primeiro-ministro. Finalmente, demitiu-se o líder semi-fascista do UKIP, Nigel Farage, que ainda há pouco alumiava o caminho de todos os prometidos desertores da UE… Entretanto, o improvável Jeremy Corbyn, alegado leader trabalhista, tenta resistir aos deputados que querem demiti-lo por ter esfrangalhado o pouco que restava do partido com o referendo, bravo!
Perante este desmoronamento monumental, a maioria dos comentadores internacionais, máxime alguém como Gideon Rachman do Financial Times, não resiste a responsabilizar o resto da Europa e a ameaçar quase-militarmente a UE, apesar de todas as vantagens que o Reino Unido já tinha na União e das quais começa agora a lembrar-se em vão!
É certo que a generalidade dos europeus, bem como os norte-americanos bem informados, têm pena da saída da Inglaterra e se preocupam com os seus custos, nomeadamente geoestratégicos. Apesar das profecias de todos os soberanistas de direita e de esquerda, aliás muitas vezes difíceis de distinguir, não tenho a certeza que a UE esteja condenada a desfazer-se nos tempos mais próximos. Antes pelo contrário. Não garanto mas uma hipótese é que, perante a decisão dos ingleses, o núcleo duro europeu se convença, não a amolecer, como todos parecem querer, mas sim a endurecer a União em torno da moeda única.
Se esta parece ser um factor de divisão entre países «ricos» e «pobres», nem por isso a construção da Zona Euro – que a Alemanha não queria, lembram-se? – deixou de ser hoje, como na altura, o cimento indispensável de uma UE de índole federalizante. É natural, na minha opinião, que o «euro» continue a ser esse cimento. O que já foi feito é de tal modo extraordinário que não será de ânimo leve que o desfaçam de um momento para o outro, só para afagar soberanismos ultrapassados pela escala da globalização.
E se assim for, é igualmente natural que as regras comuns se apertem cada vez mais. Isso poderá levar a que alguns países do Leste europeu demorem mais a aderir à moeda única, enquanto outros – a Sul – não aguentem o ritmo e se vejam obrigados a pedir para sair do «euro», engrossando as fileiras de uma coroa de «associados» liderada pela Inglaterra se esta ainda for capaz de os liderar…
Até aqui, a Grécia já fez vários referendos e ainda não saiu: o BE apupou recentemente o Syriza, mas porque será que a Grécia continua a tentar ficar no «euro»? Ao contrário de muitos que, lá bem no fundo, agradecem secretamente aos «brexiters» mais esse safanão no espírito e na prática comunitários, eu admito perfeitamente que o pânico desordenado que caiu sobre a Inglaterra e os seus líderes, agora que se veem no limbo da história, arrefeça – isso sim! – os ânimos centrífugos da senhora Le Pen e semelhantes.
A União Europeia é a zona do mundo mais desenvolvida e, simultaneamente, de longe a mais igualitária do mundo. E se não é aquela que hoje mais cresce, isso deve-se não só ao envelhecimento das populações, mas também ao sistema social mais equitativo que existe e à protecção ambiental mais avançada. Quem tenha consciência disso, não a trocará por nada, sobretudo em países pequenos e comparativamente atrasados que ficariam bem pior no dia em que saíssem da moeda única – cimento hoje da União Europeia.