Esta era a altura de olharmos para 2018. Mas é impossível face ao que fizeram cinco dos sete partidos com representação parlamentar: a aprovação pelo PCP, PEV, Bloco de Esquerda, PS e PSD, basicamente na “clandestinidade”, de alterações no mínimo controversas da legislação do financiamento dos partidos. Contra votaram o CDS e o PAN. Sobre este tema é de destacar o que escreveram Paulo Ferreira, Alexandre Homem Cristo e João Miguel Tavares.

Os cinco partidos, à boleia de uma, na prática, exigência do Tribunal Constitucional, aprovaram o aumento do limite máximo das contribuições, alargaram ou clarificaram – questão controversa – a isenção de IVA que já têm com efeitos retroactivos e consagraram o uso de espaços e património público para actividades políticas. Este é, resumidamente, aquilo que se ofereceram a si próprios à porta fechada aparentemente a pedido do Tribunal Constitucional.

Mas os juízes do Constitucional queriam (apenas), como tiveram, menos competências que consideravam administrativas e que deveriam estar na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, o que não tiveram, regras mais claras em matéria de contribuições. E pediram discrição. Aproveitando esta oportunidade, cinco dos sete partidos com representação parlamentar ofereceram-se mais dinheiro, menos transparência na lei – agora ninguém se entende até que ponto vai a isenção de IVA e até onde vai a retroactividade no que diz respeito aos litígios com o fisco.

Todos sabemos e concordamos com a necessidade de financiar os partidos, sem os quais não há democracia. É óbvio. Podemos considerar que a legislação podia ser mais ou menos permissiva, nomeadamente em matéria de donativos privados. Mas ninguém pode apoiar mudanças legislativas feitas à socapa, muito menos numa matéria tão sensível como esta.

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O que revolta mais não é o que se fez mas a forma como se fez, exactamente pelo mal que os partidos estão a fazer a si próprios e, por essa via, a todos nós cidadãos e à nossa democracia. Numa altura em que os populismos estão em alta, em que os políticos estão desacreditados e em que Portugal tem um ex-primeiro-ministro acusado de crimes de corrupção, esta actuação dos partidos é um acto suicidário.

As medidas que foram para além do pedido feito pelo Constitucional parecem feitas à medida das necessidades de cada um e de todos. O aumento do limite para as contribuições favorece todos, está feito à medida do PCP e do PSD, por causa da Festa do Avante e da Festa do Chão da Lagoa, e abre ainda mais a porta a entregas de dinheiro sem registo podendo ainda transformar os partidos, como indirectamente disse o CDS, em empresas de organização de eventos. O caso do IVA mais uma vez beneficia todos mas traz vantagens especiais para o PS por causa dos litígios que tem com o Estado. Por último, a possibilidade de usar gratuitamente os espaços públicos dá jeito a todos. Mesmo o CDS e o PAN que chumbaram a proposta não conseguem ficar totalmente bem na fotografia por terem esperado que alguém desse conta do que se estava a passar.

As reacções são ainda mais lamentáveis. Vimos o BE a querer desligar-se do grupo dos cinco, fazendo um comunicado autónomo, vimos um comunicado que juntou os outros quatro – PCP, PEV, PS e PSD – a defender que as alterações não aumentam a despesa pública numa mensagem reforçada ainda pela secretária-geral adjunta do PS Ana Catarina Mendes.

Pior a emenda que o soneto. Em vez de assumirem o direito a essas medidas, a defesa que fizeram do que fizeram cava ainda mais fundo o buraco em que se meteram.

A questão mais importante suscitada por estas alterações não é financeira mas qualquer pessoa sabe perfeitamente que se há mais isenção de IVA há menos IVA arrecadado, valor que se mede pelo aumento da despesa fiscal. Como qualquer pessoa sabe que, se há uso de património público, há um custo de oportunidade – o de ser utilizado em alternativas rentáveis.

Ao focarem o problema na questão financeira legitimaram as perigosas versões populistas, segundo as quais os partidos não merecem o dinheiro dos nossos impostos. Em vez de aproveitarem a oportunidade para nos explicarem porque é que os partidos precisam de financiamento e porque é que estas alterações reduzem os riscos de “malas de dinheiro” amigas da corrupção, alinham nos discursos anti-partidos, deixando subjacente a mensagem de que não merecem mais despesa pública. Com as justificações que deram reforçam as razões dos que olham para as alterações legislativas como promotoras das “malas de dinheiro” e da opacidade.

Como cidadãos, só nos podemos sentir revoltados com o mal que os partidos andam a fazer a si próprios, com estes actos suicidários que atiram lenha para quem quer desestabilizar as democracias.

Um processo como este tem de ser morto. Se os partidos não podem fazê-lo que o faça o Presidente da República com um veto. Que se mude a lei a seguir mas sem medo nem vergonha, com debate e como um direito dos cidadãos a terem partidos livres de dependências financeiras e de tentações de corrupção.

Aos leitores fica aqui o desejo de bom ano novo. Com menos casos como este que tanto danificam a participação de todos na vida política.