Porque é que a Grécia tem um governo da direita nacionalista aliada à esquerda radical? Toda a gente julga saber a resposta: por causa da austeridade. Sim, mas também não. Os gregos são, na Europa, o povo mais agarrado ao euro. Numa sondagem publicada no princípio de Janeiro, 74,2% concordaram que a Grécia devia permanecer no euro “a todo o custo”. Repito: “a todo o custo”. Ora, o “custo”, até há pouco tempo, era a “austeridade”. Acontece que agora parece não ser. E é essa a verdadeira causa da escolha da Grécia no passado domingo.

Há meses que o BCE anda, a deixar constar que o problema da Europa é, afinal, a “deflação”, e toda a gente começou a antecipar que a solução seria mais dinheiro: 60 mil milhões de euros por mês, como ficámos a saber dias antes da eleição na Grécia. Os suíços, entretanto, já tinham saltado do barco. Antes, aparecera o Plano Juncker de “investimentos”. É neste contexto que o resultado eleitoral grego faz sentido: se a prioridade actual é aumentar despesas e dívidas, chamem-lhes embora “investimentos”, então Tsypras e os seus aliados da extrema-direita são uma boa escolha, como provaram logo ao segundo dia de governação.

Os chamados “líderes europeus”, entretanto, tinham feito o resto: perante os augúrios de triunfo do Syriza, tentaram “acalmar os mercados” pondo a correr que poderiam negociar com Tsipras e que, lá bem no fundo, o líder da esquerda radical até era bom moço, e que talvez o deixassem salvar a face. Todos ajudaram assim os eleitores gregos a acreditar que não só não haveria riscos em votar Syriza, como até poderia ser uma maneira hábil de obrigar a UE a ainda maiores generosidades, porque, como dizia o novo ministro das finanças gregos dias antes da eleição, a “Alemanha acaba sempre por pagar”.

Em suma, Tsipras não foi apenas eleito na Grécia, mas também em Frankfurt e em Bruxelas. Resta saber se os contribuintes dos outros países – e não apenas da Alemanha – estão dispostos a ajudar a Grécia a encontrar essa coisa curiosa: uma “independência” que depende inteiramente do dinheiro dos outros.

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Mas a Grécia é, nesta história, não mais do que um pormenor. A verdadeira questão é a crença europeísta de que a moeda única, só por si, é a solução de todos os problemas da Europa. Essa ilusão monetária foi a causa da política de austeridade e é agora a causa da política de inflação.

O euro arrancou como um projecto político, indiferente às realidades financeiras e económicas dos países: o que importava era “integrar” a Europa, incluindo países que todos sabiam não estar preparados, como a Grécia. Para justificar este voluntarismo, acreditou-se que a moeda única, só por si, iria provocar o ajustamento e harmonia das economias europeias. No caso dos países do sul da Europa, entregues à inflação, os crentes do euro esperaram que uma moeda independente dos governos iria impor disciplina aos Estados e obrigar empresários e trabalhadores a combinarem-se para competir nos mercados globalizados através da produtividade, e não da desvalorização monetária.

 

Como sabemos, não foi assim. É que antes de todas as virtudes, o euro trouxe juros baratos, o que, no sul da Europa, permitiu aos governos e aos cidadãos passarem a viver confortavelmente de dívidas. Os Estados cultivaram défices, os empresários aninharam-se  na construção civil, e os consumidores, coitados, sujeitaram-se mansamente a ser vítimas da “ganância dos bancos”. Foi o tempo da segunda casa e da terceira auto-estrada.

 

Quando tudo finalmente ruiu, em 2010-2011, a prioridade foi ainda defender o euro e a integridade da sua “zona”. Tentou-se então fazer à pressa, através de “memorandos”, tudo o que não tinha sido feito durante dez anos: os ajustamentos e a harmonização das economias. A isso se chamou “austeridade”.

 

O colapso dos preços do petróleo inspirou, entretanto, novos planos. A ideia é agora usar o euro para supostamente reanimar as economias europeias, através de uma espécie de imitação do “alívio quantitativo” dos americanos. Ninguém sabe exactamente como funcionará, nem se funcionará. Diz-se que a receita terá feito maravilhas nos EUA. No Japão, porém, parece que não. O que nos devia levar a desconfiar que, muito provavelmente,  o dinheiro, só por si, não resolve tudo.

 

Economias como a de Portugal ou a de Itália deixaram de crescer desde a década de 1990, e não foi por falta de crédito. Se o dinheiro barato, nos anos de ouro da economia mundial, só serviu para se endividarem, como é que será diferente agora? Na sua violenta crítica da “política de austeridade”, o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, mencionou as condições em que o “alívio quantitativo” funcionou na Grã-Bretanha: entre outras, uma “economia aberta e flexível”. É assim que se pode descrever a economia grega ou portuguesa? Mais: é esse tipo de economia que os críticos da “austeridade” na Grécia ou em Portugal desejam estabelecer? Não parece.

 

Um dia, compreenderemos finalmente que o euro não é a causa dos nossos problemas, e também não é a solução.