A filha de Susana Trimarco, 59 anos, é a razão por trás da Fundación María de los Ángeles, uma organização não-governamental criada pela mãe para ajudar a combater o tráfico sexual na Argentina, em 2007. Cinco anos antes, em 2002, em Abril, a jovem de 23 anos saiu de casa para ir a uma consulta médica e nunca mais voltou. Quase 12 anos depois, a mãe de “Marita”, como carinhosamente Susana Trimarco chama à filha, fecha um ciclo, ao ver dez dos 12 réus envolvidos no caso do sequestro a serem condenados a penas de prisão entre dez e 22 anos.

A sentença é o resultado da investigação que Susana Trimarco levou a cabo sozinha para encontrar María de los Ángeles, fazendo com que recebesse várias ameaças de morte, lhe incendiassem a casa e tentassem atropelá-la duas vezes.“O desespero de uma mãe cega-a. Faz dela uma mulher sem medo”, diz, num artigo publicado pelo The New York Times.

Em Maio, a mãe voou da Argentina até ao Vaticano para partilhar com o Papa Francisco a sua história. Na sua conta da rede social Twitter, afirmou: “Estou muito emocionada por ver o nosso papa com tanta humildade e força”. Ainda no Vaticano, Susana Trimarco reuniu-se com o arcebisto argentino Marcelo Sánchez Sorondo, chanceler da Pontifícia Academia de Ciências Sociais.

A mãe de Marita ajudou a resgatar 129 ex-escravas sexuais, dando-lhes abrigo na sua casa. Na primeira sentença, os 12 arguidos acusados de raptar a filha foram absolvidos.

A história de Susana Trimarco e de Maria de los Ángeles tem posto o tema do tráfico sexual na agenda da Argentina. Desde que começou a sua investigação pessoal, resgatou 129 ex-escravas sexuais, dando-lhes abrigo na sua casa. No ano passado, a fundação disseminou-se por mais cidades e recebeu fundos governamentais para construir uma nova sede. Na nova secretária, estão os certificados que honram a sua luta, sendo que dois chegaram do departamento de Estado norte-americano.

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Susana Trimarco nunca desisitiu de saber o que tinha acontecido a Marita. A primeira sentença sobre o caso do desaparecimento da filha foi revelada em dezembro de 2012 e deixou a Argentina em revolta com a absolvição dos 13 arguidos. Os juízes concluiram que houve uma “rede diabólica de exploração sexual” em Tucumán “com ligações nacionais e internacionais, e rituais satânicos”, mas, segundo os próprios, as provas não eram suficientes para a condenação. Um ano depois, um tribunal superior anulou a decisão dos juízes, condenando dez réus a penas de prisão entre 10 e 22 anos. Para Susana Trimarco, era impossível viver sem saber o que aconteceu. “Não tens paz na vida”, conclui.

O tema está na agenda. Nos Estados Unidos da América, o tráfico sexual de menores tem vindo a aumentar em 40% dos condados com mais de 250 mil habitantes, segundo o relatório publicado em Abril pela Associação Nacional de Condados. No mesmo documento, a associação apelava a uma ação mais robusta por parte das autoridades.

O Projeto Polaris, organização norte-americana pela luta contra o tráfico humano e a escravatura moderna, também revelou que entre 2007 e 2012 foram identificados casos de tráfico de seres humanos nos 50 estados norte-americanos, através das chamadas efectuadas pelas vítimas para a linha de apoio do Centro Nacional de Tráfico Humano. Mais de 42% eram casos de tráfico sexual.

Portugal clandestino
Em Portugal, o fenómeno é “clandestino, cerrado e complexo”, lê-se no artigo escrito por Boaventura de Sousa Santos, Conceição Gomes e Madalena Duarte, na Revista Crítica de Ciências Sociais de dezembro de 2009, a própósito do estudo “Tráfico de Mulheres em Portugal para Fins de Exploração Sexual”. Os números são, por isso, difíceis de apurar, acrescentam.

Até Junho de 2009, o sistema de sinalização de casos tinha contabilizado 231 casos possíveis de tráfico, mas apenas 41 tinham sido confirmados, segundo dados do Observatório do Tráfico de Seres Humanos. Em 2013, foram assinaladas 57 presumíveis vítimas de tráfico sexual em Portugal, sendo que nenhum caso foi confirmado e 28 estão ainda sob investigação.