Ter a bola, trocá-la e não a largar. Quem o fizer, teria de responder a Andrea Pirlo. Afinal, o arquiteto dos 554 passes e dos 93,2% de eficácia a distribui-los no primeiro duelo da Copa do Mundo. É ele o patrão, o barbudo que pincela o relvado com ordem. O cabeludo que todos procuram quando a bola está a falar italiano. Foi ele o farol que nova Itália, a que Cesare Prandelli, o seleccionador, quer afastar do futebol de paciência, da matreirice e do ‘ficar à espera do que os outros façam’. Finito.

Itália: Buffon; Darmian, Chiellini, Barzagli e Abate; De Rossi, Thiago Motta, Pirlo, Candreva e Marchisio; Balotelli.

Costa Rica: Navas; Gamboa, Duarte, González, Umaña e Díaz; Bolaños, Tejeda, Borges e Ruiz; Campbell.

Na batalha ganha à Inglaterra (2-1), os italianos afastaram-se mesmo. Dominaram a bola, o jogo e tudo o quase tudo o que os britânicos foram fazendo. Aí, o pintor teve companhia. Ao seu lado, à frente de De Rossi, esteve Marco Verratti, jovem aprendiz seu que, com a Costa Rica pela frente, começou sentado no banco para dar lugar em campo a Thiago Motta. Um pé mais duro e frio a tratar a bola, e, sobretudo, mais defensivo. Isto passava logo uma impressão — a Itália tinha receio, mais do que tivera para com os ingleses. Até tinha razão.

O xadrez da Costa Rica mantinha-se. Três centrais em campo, dois laterais ao largo e, à frente, três médios com vontade para defender. Assim bloquearam os uruguaios. E feriram, também. Mas, nessa parte, os louros foram para Joel Campbell. O diabo que cansou só de o ver a correr e a ser perseguido uma e outra vez por tantos jogadores inimigos. Contra a Itália, porém, mais calmo. A preocupação era outra e agora também ele tinha de bloquear — neste caso, Danielle De Rossi. E conseguia-o. O primeiro dos médios italianos não tinha tempo nem espaço para se virar. Campbell (ou outro costa-riquenho qualquer) estava lá sempre.

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A tática parecia defensiva, mas os centro-americanos não o eram. Pisavam o meio campo italiano sem convite. Pressionavam, muito e à frente, mais do que os ingleses ousaram fazer. E, de vez em quando, criavam perigo. Aos 6′, uma jogada rápida acaba em remate à baliza de Tejada. Aos 7′, Celso Borges, o de raízes brasileiras, cabeceava por cima da baliza de Buffon. Sim, os costa-riquenhos não estavam mesmo ali para brincar. Aos 27′, aparecia um tímido remate de Thiago Motta. Vá lá, era algo de italiano.

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E aos 31′, surgia algo de magia. Porquê? A bola chegou a Andre Pirlo, que olhou para um lado, passou para o outro e, pelo ar, a bola guiou Balotelli até à dianteira de Keylor Navas. Finalmente, podia aparecer um golo. Mas ele escondeu-se debaixo do chapéu do Super Mario, o avançado que tentou passar a bola por cima do guarda-redes e a acabou por a rematar ao lado da baliza. Aos 33′, Pirlo meteu asas em outra bola que Balotelli não aproveitava.

Três minutos de depois, era Buffon que metia as mãos num remate de Bolaños. Já acontecia de tudo — a bola passava mais tempo na companhia da Costa Rica, os italianos não conseguia estar 30 segundos com ela e sentia-se que o golo estava a chocar uma paixoneta pelas duas balizas. Aos 43 minutos, Joel Campbell também sentiu nas costas o empurrão de Giorgio Chiellini.

O avançado caiu na área, achava-se que era penálti mas o árbitro insistiu que não. O apito ficou no bolso. E os costa-riquenhos entravam em erupção. Tanto que, no minuto seguinte, a fúria guiou um cruzamento de Díaz rumo à cabeça de Ruiz, o capitão que fuzilou Buffon (e a barra) com a bola e fez o 1-0. Era o décimo golo sofrido pela Itália em Mundiais.

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Ao intervalo, Prandelli viu o problema. Mas enganou-se na solução. Thiago Motta ficava no balneário e de lá saía Antonio Cassano. Um avançado, uma companhia para Mario Balotelli e mais um homem para receber bolas na frente. O problema é que não era fácil elas lá chegarem. E só com Pirlo e De Rossi a filtrar jogo, ainda menos. Ou seja, faltava Marco Verratti e o trio de passadores que tão bem funcionara na primeira jornada. Com menos um italiano no meio do campo, os costa-riquenhos ficavam com menos um alvo para pressionar. A Itália tinha mais um avançado, ok, mas, em teoria, continuava a sobrar um central inimigo para se ocupar de qualquer imprevisto.

Na prática, viu-se uma Itália farta de ser bloqueada. Aos 51′, Darmian remata de fora da área e obriga Navas, o voador Navas, bombeiro do Levante, faz uma grande defesa. Dois minutos passam e o guardião livra-se de uma bola que lhe chegou a ziguezaguear, vinda de um livre de Andrea Pirlo. Outra substituição chegou aos 57′, mas Verratti continuava sentado e era Lorenzo Insigne, extremo do Nápoles, a trocar com Candreva para se encontrar ao lado esquerdo do ataque italiano. Os italianos estavam com pressa. Queriam arrumar aqui o lugar nos ‘oitavos’ e escapar à fortuna de ter de o fazer contra o Uruguai, na última jornada.

Por isso carregaram. Sem muito tino ou cabeça, como o provaram os foras de jogo de Balotelli – que, com seis, lidera o Mundial nesta corrida –ou os muitos passes falhados no meio campo da Costa Rica. E no banco, Verratti a ver. Com 62 minutos no relógio, Cassano lá teve espaço para rematar e Navas para agarrar a bola, sem problemas. Se os médios costa-riquenhos engoliam Pirlo e De Rossi, a defesa encarregava-se de pregar partidas a Insigne, Cerci (que entrou aos 70′), Cassano e Balotelli — o fora de jogo era o melhor amigo de todos. A Itália acabaria o jogo com 11. Sim, onze.

E nos mais de 20 minutos que faltavam por jogar, apenas Cassano, aos 90′, mostrou que a Itália ainda estava atrás de um golo. De resto, niente. Os transalpinos tentaram, passaram e espreitaram onde puderam, mas nunca a Costa Rica deu mais de dois metros de espaço entre os seus jogadores. O jogo acabou e com ele se podia compilar um manual com três lições práticas: como enganar o inimigo com uma tática (a priori, 5-3-2) defensiva; como fechar espaços atrás e pressionar à frente sem escorregadelas; e como magoar o adversário no contra-ataque. A Costa Rica é isto e já passou com distinção em dois testes.

Quem diria? Num grupo cheio de campeões do mundo, com três seleções inchadas de ambição e preocupadas apenas neste triunvirato, a Costa Rica conseguiu sobreviver. Num lote onde se via morte, os centro-americanos são os primeiros a sair com vida e, ao mesmo tempo, a pegarem no caixão inglês e enterrarem-no debaixo de solo brasileiro.

Sim, os britânicos estão fora do Mundial. Mas nem tudo é mau. Afinal, com este 1-0, o Itália vs Uruguai da última jornada ganha um tempero que apimentará a digestão — aos transalpinos bastará um empate, enquanto os uruguaios precisam de vencer para seguirem rumo aos oitavos de final.

A Itália, e Prandelli, sobretudo, têm que acordar e resgatar a fórmula de futebol que, na primeira jornada, começou a sentenciar a Inglaterra. Pois, com um Uruguai apertado, a lutar pela vida, a sentir-se a baloiçar na corda bamba e já com uns dentes aguçados na frente (Luis Suárez), os italianos correm o risco de voltarem a ser abafados.