Passados quase seis meses desde a identificação do primeiro caso de ébola na Guiné-Conacri, o surto tornou-se o mais longo no tempo, o mais disperso geograficamente e o mais mortal. Dos 759 casos detetados na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa já resultaram 467 mortes (mais 100 do que na quinta-feira passada), revelou na esta terça-feira a Organização Mundial de Saúde (OMS). Na quarta-feira passada, os Médicos sem Fronteiras alertaram que estavam sem meios para controlar a doença.
Esta quarta e quinta-feira a OMS estará reunida em Accra, no Gana, com os ministros da Saúde e outros responsáveis pela prevenção de doenças da Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Senegal, Serra Leoa e Uganda, lê-se no alerta da OMS. “O objetivo do encontro é analisar a situação, identificar as lacunas, desenvolver planos de resposta operacional e garantir um maior compromisso político e maior colaboração transfronteiriça para as atividades de resposta à doença entre os países da sub-região.”
Dados totais – inclui dados confirmados, prováveis e suspeitos.
O ébola transmite-se pelas secreções orgânicas, como suor, saliva, urina, sangue ou fluidos seminais. A transmissão é potenciada pelas tradições locais – como a lavagem do cadáver – contaminando rapidamente familiares e amigos do morto. Ainda mais porque o vírus se mantém vivo pelo menos 24 horas depois da pessoa morrer, assinala Jorge Atouguia, especialista em Medicina Tropical e em Infecciologia.
Para controlar o surto é preciso criar um cordão sanitário, ou seja, confinar a população onde foram detetados os casos ao isolamento, impedindo-as de sair até que o surto esteja controlado. “Num surto epidémico [deste vírus], se durante 21 dias não houver novos casos, então o surto está controlado”, explica ao Observador Jorge Atouguia. 21 dias é a referência para o período máximo de incubação, embora um estudo aponte que nesta estirpe a incubação possa chegar aos 25 dias. Mas também pode ser tão breve como três dias.
Nos meios rurais é mais fácil isolar a população, mas o surto surgiu na capital Conacri. As pessoas têm viajado para outros locais e levado consigo o vírus. Se decidirem viajar antes da doença se manifestar esta pode sair de África. Jorge Atouguia defende que a solução pode ser semelhante à tomada durante o surto do vírus Marburgo (da família do ébola) em Angola, em 2005 – uma intervenção militar para impedir a circulação de pessoas.
Faltam educação, meios e investigação
Na Libéria o problema é agravado porque há igrejas a acolher os doentes alegando que as pessoas podem ser curadas através da oração, refere Bernice Dahn, diretora-geral de Saúde, que acusa a população de recusar aceitar que a doença existe no país. O enterro dos mortos também tem sido dificultado, porque as famílias acham que “as pessoas nos fatos brancos” são fantasmas.
Os Médicos sem Fronteiras, sem conseguirem controlar o cordão sanitário nos 60 locais onde a doença já foi detetada, declaram este surto como “fora de controlo”. Tratar uma doença como o ébola exige equipas especializadas e uma grande logística de proteção, tanto nos fatos usados como nas medidas tomadas. “O risco maior não é quando estão a tratar os doentes, mas quando estão a tirar o fato. O cansaço faz descurar as regras de proteção”, alerta o professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Podem estar 30 a 35º C dentro do fato e o suor é uma das vias de transmissão.
No início a doença pode confundir-se com outros quadros gripais – febres altas, náuseas e diarreias -, mas depois vêm as hemorragias (daí o nome febre hemorrágica viral dado às doenças que se manifestam desta forma). A maior parte das pessoas acaba por morrer devido às elevadas perdas de sangue ou à desidratação elevada. Os que sobrevivem ou conseguiram melhores tratamentos ou desenvolveram formas menos severas da doença. Em alguns casos raros podem nem sequer manifestar a doença, refere o médico infecciologista.
Esta é uma doença sem cura nem prevenção. Jorge Atouguia justifica a falta de investimento na investigação para o tratamento desta doença: só aparece em África; os surtos são normalmente de pequena dimensão; e, para trabalhar com um vírus tão mortal, só laboratórios de elevada segurança. Além disso, pode ser muito importante do ponto de vista geopolítico, acrescenta o investigador – é uma potencial arma biológica.
Mortal também para gorilas
O vírus foi detetado pela primeira vez em 1976 no antigo Zaire, agora República Democrática do Congo (RDC), junto ao rio Ébola que acabou por lhe dar o nome. Das cinco estirpes do vírus, quatro afectam mortalmente o homem. O vírus que causou este surto na Guiné-Conacri é aparentado do que causou o primeira surto na RDC, segundo um estudo publicado em Abril no The New England Journal of Medicine.
“Ainda se discute qual é o reservatório na natureza”, diz Jorge Atouguia. Podem ser duas espécies de morcegos que já se verificou poderem ter a infeção sem desenvolverem a doença, mas ainda não há certezas. Certo é que os primatas, pelo menos os grandes primatas, são afetados. Ao longo dos anos já morreram milhares de gorilas, com populações completamente dizimadas.
A ingestão ou a preparação dos animais selvagens como morcegos e primatas para alimentação podem ser a fonte primária de contágio das populações humanas. Mas revela-se extremamente difícil acabar com ações motivadas quer pela cultura quer pelas necessidades alimentares.