Nunca mais o largaram. Até cartas recebeu. Às centenas. Tudo um exagero, aos olhos de Patrick Battiston. “Até chegaram a comparar o que aconteceu com conflitos da Segunda Guerra Mundial”, chegou a lembrar o francês, já consciente, com menos dois dentes e uma costela consertada na oficina. Sim, 32 anos depois, o ex-internacional gaulês falava do encontrão com que Toni Schumacher o tirou do Mundial, em 1982. Platini, o pensador gaulês da altura, até chegou a pensar que o tal ‘encosto’ tinha acabado com a vida de Battiston.

Nada disso. O defesa do Saint-Etiénne sobreviveu e hoje anda em Bordéus a treinar jovens ansiosos por serem futebolistas. A vida continou. Assim como vai continuar para os onze gauleses que, aos 12 minutos, viram um alemão saltar e cabecear uma bola para a baliza francesa. Sacre bleu. Era o 1-0 a pintar-se de preto, amarelo e vermelho.

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E novo com um encontrão à mistura. Mas, vá lá, sem dentes perdidos ou costelas fraturadas. Raphael Varane acabou inteiro, mas não resistiu ao empurrão que levou de Mats Hummels, dentro da área, antes do defesa central marcar o seu segundo golo de cabeça nesta Copa — de novo após Toni Kroos cruzar ordenar que uma bola só parasse na tête do jogador do Borussia Dortmund.

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Era o primeiro disparo certeiro da invasão germânica. Até aí, os escudos gauleses de nada serviam. E as armas, muito menos. Desde o primeiro minuto que o plano matreiro da Alemanha funcionou da melhor maneira.

Miroslav Klose, trintão (36 primaveras contadas) e goleador avançado (15 golos em Mundiais) se encarregou de impedir que a bola chegasse aos pés de Raphel Varane. Para quê? Primeiro, de modo a tapar os acessos ao defesa central que melhores pés tinha e tem para mexer na bola. Segundo, assim obrigava a que, quando fosse preciso mandar a bola para trás, os franceses a tivessem que direccionar para Mammadou Sakho — o outro central, e o tal que faz pior companhia à bola.

Ao mesmo tempo, um dos médios alemães (mais Kroos e Khedira), escondiam-se na sombra de Yohan Cabaye e não deixavam que tivesse tempo para pensar o que fazer à bola. O pensador gaulês mal tocava na bola. E, com isto, lá se ia a o motor de ignição do jogo francês. Após sofrer o golo, a equipa de Didier Deschamps só despertou uma vez. Foi aos 35’, quando o pequeno craque Mathieu Valbuena, na área, rematou de pé esquerdo para Manuel Neuer bloquear o empate gaulês.

Intervalo. Tempo para fazer uma revisão ao motor e mexer nas peças. Ou não. Rien se passou e, na segunda parte, Deschamps continuou desde o banco a ver e rever os problemas que a Alemanha causava na equipa francesa. Cabaye era um poste e a França só conseguia atacar pelos laterais, que eram uma máquina de sacar cruzamentos infrutíferos. Há exceções para tudo, claro, e, aos 60’, uma das bolas enviadas para a área germânica foi cabeceada por Raphel Varane e defendida por Neuer.

As evidências só arrombaram a porta da cabeça de Deschamps aos 73 minuto, quando o treinador trocou Cabaye por Loic Remy. Agora sim, era atacar pelas alas e cruzar à vontade. Era um risco, claro, mas os efeitos quase apareceram aos 76’, quando um rápido Benzema só não rematou à baliza quando um rapidíssimo Hummels lhe apareceu à frente para bloquear o pontapé.

Aos 83’, o primeiro contra-ataque a sério da Alemanha — afinal, era muito raro a França ser capaz de ficar muito tempo na companhia da bola — foi estragado pelo desperdício de André Schürrle que, após passe de Özil, rematou contra as pernas de Lloris quanto até tempo tinha para perguntar ao guardião para que lado ele queria a bola. Só aos 84 minutos entrou Giroud, o grandalhão avançado, para o lugar do petit Valbuena.

Nenhuma luz de lá saiu. Já pouco tempo restava e apenas aos 94’, na última jogada do encontro, um remate de Karim Benzema, já dentro da área, deu a impressão de que a barra da baliza bloqueara o empate francês. Nada disso — fora a mão de Manuel Neuer a parar a bola, qual ferro em formato de guarda-redes. Ele que, quando a partida se despediu, dera mais dois toques na bola (13) do que Benzema (11), um avançado que até prima pela insistência que tem em fugir da área e trocar bolas com o resto da equipa.

Algo que já não fará neste Mundial. Os alemães seguem para as meias-finais, um lugar que já conhecem tão bem — é a quarta vez consecutiva (desde 2002) que atingem esta fase nas Copas. Já quase nem festejam, e isto é mesmo uma evidência. A Alemanha já se habitou a ser sempre das seleções que mais brilha a cada quatro anos de futebol organizado pela FIFA.

E Miroslav Klose que o diga. Ou melhor, que se dê a palavra à sua história: o avançado tornou-se no primeiro jogador a chegar a quatro meias-finais de um Mundial (Pelé, por exemplo, só não o fez porque Portugal o parou em 1996). E fica a uma partida de igualar os 16 jogos de Cafú em Copas do mundo. Como se diz monstro em alemão?