O Parlamento líbio está literalmente a ser expulso de casa pelas milícias islamitas. De malas feitas, os deputados mudaram-se há uma semana para um ferry grego na cidade portuária de Tobruk, no limite da fronteira com o Egipto, que foi requisitado à última hora como resistência à ocupação. Com o país em guerra civil, a capital Tripoli capturada pelas forças islamitas e a cidade de Benghazi também a debater-se contra a ocupação, o barco grego às portas da Líbia é o que resta da sua soberania.

A pequena cidade portuária de Tobruk é neste momento a sede e o símbolo do poder político da Líbia. Num dos lados do porto, os deputados reúnem-se numa improvisada sala de conferências que funciona como Câmara dos Deputados. Do outro lado, amarrado ao cais, um barco de 17 mil toneladas que geralmente transporta carros e passageiros entre a Grécia e Itália, serve de hotel flutuante do Governo.

“Se não fosse o barco, onde é que ficavam?”, questiona Muftah Othman, chefe da comissão eleitoral da cidade, citado pelo The Guardian. É que a decisão da transferência da sede do poder para aquela pequena cidade quase a fugir da Líbia foi rápida e não houve tempo para grandes preparações. “Tivemos apenas três dias para preparar tudo aqui em Tobruk, para encontrar locais para as reuniões, alojamento para todos, acesso à internet, tudo”, diz.

Segundo o Guardian, o ambiente é sombrio naquele enorme ferry, com os corredores quase vazios, apenas com os filhos dos deputados que fugiram com eles a brincar aqui ou ali, e as escadas rolantes desligadas – ligadas apenas quando há convidados importantes. Previsões para a estadia? Não há. “Tanto pode ser mais uma semana, como meses, não sabemos”, diz Othman.

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Nem os deputados sabem. “Precisamos de tempo para construir o nosso exército e desenvolver as nossas habilidades para dirigir o país”, diz o vice-presidente Mohammed Ali Shuhaib. Mas tempo pode ser coisa que o governo líbio não tenha em demasia, com o conflito na Líbia a tornar-se quase uma guerra regional. O Qatar e os Emirados Árabes Unidos já se posicionaram cada um de um lado do conflito, fornecendo armas e preparando o terreno – o primeiro do lado dos islamitas, o segundo do lado dos nacionalistas.

Supostamente os membros do Parlamento seriam cerca de 200, mas alguns boicotes ou problemas de intimidação e logística fizeram o número reduzir para 115, o que pode pôr em causa a credibilidade do Parlamento eleito. Neste momento pouco se sabe sobre como vai o Governo líbio sair desta situação, mas de acordo com Bernardino Leon, enviado das Nações Unidas a Tobruk, as perspetivas não são tão más quanto isso. “Este país, esta sociedade, está farto deste conflito”, disse, mostrando-se otimista quando a uma solução: “Todas as partes concordam que a única solução para a atual crise é a negociação”, disse na segunda-feira à noite, depois da primeira visita à sede do parlamento líbio em Tobruk.

O conflito entre milícias na Líbia tem sido o mais violento desde a queda de Mouammar Kadhafi em 2011. Esta terça-feira, o Parlamento eleito (e ainda em funções, apesar das circunstâncias), fez passar uma lei que criminaliza o uso da força para “aterrorizar o povo” e destabilizar o país, prevendo sanções que vão até à pena de morte. A lei foi aprovada com 90 votos a favor, de um total de 170 deputados que marcaram presença na sessão legislativa.

Mas a verdade é que o Parlamento líbio está praticamente impotente. Em março nomeou um novo primeiro-ministro, Abdullah al-Thinni, mas ainda tem de formar governo. Além disso, os avanços dos islamitas no terreno têm sido drásticos, tendo já o controlo de algumas das maiores cidades líbias, desde a capital Tripoli, a Benghazi, passando por Misrata e Derna.