Era o próprio avô de Andy McDougall que lhe dizia. Contava-lhe como em Glasgow, há umas quantas décadas, ele se aprontava, chegava a horas a uma entrevista de emprego e, quando a conversa arrancava, “era comum” perguntarem-lhe: “Em que escola andou?” Depois, tudo dependia da resposta. Se fosse “Saint [santo] qualquer coisa”, era provável que a vaga acabasse por calhar a outra pessoa — e não católica. “Muitos nem se sentiam cómodos por serem escoceses, e muito menos britânicos”, recorda hoje Andy, de 23 anos, ao falar de um lado da rivalidade que desde o final do século XIX pinta a Escócia.

Andy é adepto do Celtic, clube “fundado por imigrantes irlandeses”. Escolheu o lado verde e branco de Glasgow, da equipa católica da cidade mais populosa do país. Juntou-se à mãe e ao avô, fugindo à costela azul e protestante do pai, apoiante do Rangers, o rival citadino.

Andy vive em Inglaterra e não pode votar entre o ‘sim’ e o ‘não’ de um referendo que, esta quinta-feira, decidirá o futuro da Escócia. E mesmo que, ao início, torcesse o nariz à independência, hoje vê o sufrágio como “uma grande oportunidade que o país não pode perder”.

Uma hipótese, explica, para que a Escócia “seja governada por quem escolher e não pelo partido mais popular em Inglaterra”. Andy não é nacionalista, garante ao Observador. Mas também “nunca” se considerou britânico no meio de uma “união onde os votos escoceses não importam muito”. Hoje é a favor da independência. Tal como “os adeptos do Celtic em geral”, diz o escocês que, em 2010/2011, chegou a estudar em Coimbra e Lisboa, ao confirmar a posição em tudo contrária à dos apoiantes do Glasgow Rangers.

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Assim chegamos à Velha Empresa. Ou à ‘Old Firm’, apelido pelo qual os dois clubes ficaram conhecidos desde 1904 — quando, para sublinhar a supremacia de Celtic e Rangers nas receitas, títulos e no número de adeptos, o jornal The Scottish Referee os descreveu como “The Old Firm of Rangers, Celtic, Limited”. A alcunha colou, perdurou e hoje é usada quando se fala dos rivais que reinam sobre o futebol escocês. Os dois clubes já se defrontaram em 399 partidas, com a balança a pender para as 159 vitórias do Rangers, contra as 144 do Celtic. A hegemonia partilhada é óbvia — desde 1986 que nenhum outro clube conquista o campeonato do país.

Mas Celtic e Rangers divergem em tudo: nas cores, na religião dos adeptos e nas zonas da cidade. E agora, também na posição que tomam no referendo. “Nunca vi tantas bandeiras escocesas no Celtic Park [estádio do clube] como agora”, confessa Andy, não sem antes lembrar que, mesmo sendo um estereótipo, “muitos adeptos” do clube que já venceu 45 campeonatos “se sentem mais irlandeses do que escoceses”.

Agora, admite, “parece que a maioria está convencida de que a independência seria uma coisa positiva para a Escócia”. Do último domingo, cerca de mil adeptos do Celtic, numa das bancadas do estádio do clube, ergueram cartazes onde se lia ‘Yes’ ao 18.º minuto do encontro frente ao Aberdeen — em alusão ao dia do referendo.

Ou seja, uma demonstração clara a favor da independência da Escócia. Algo que que James McGregor “reza para que não aconteça”.

James é escocês e também nasceu em Glasgow, mas torce pelo Rangers. Aos 25 anos, a profissão de personal trainer ainda lhe dá tempo para gerir uma conta de Twitter, dedicada a apoiar o seu clube — que um amontoado de dívidas obrigou a recomeçar do zero.

Em junho de 2012 o clube morreu, mudou de nome (no papel é hoje o Rangers Football Club Limited) e afundou-se até à 4.ª divisão. Hoje está no Championship, a um degrau de regressar à liga que já conquistou por 54 vezes. “Diria que 95% dos adeptos do Rangers quererão o ‘não’, pois o clube é tradicionalmente britânico”, explicou ao Observador.

No Ibrox Stadium, recinto da equipa, isso nota-se. Nas catacumbas do estádio até existe um quadro da Rainha Isabel II, pendurado na parede do balneário da equipa. Nas bancadas, durante os jogos, é comum avistarem-se vários exemplos da Union Jack, a bandeira do Reino Unido, a serem abanadas pelas mãos dos seus adeptos. “Queremos fazer parte do Reino Unido porque, simplesmente, somos britânicos”, sublinhou James, sem ânimo ao antecipar que, caso o ‘sim’ vença, os adeptos do Celtic vão “esfregar a vitória de uma Escócia independente” na cara dos apoiantes do Rangers. “A reação não será muito agradável, claro”, resumiu.

Há uma coisa, porém, na qual James e Andy pareceram concordar — se o ‘sim’ acabar a reinar nas urnas, a esperança de Celtic e Rangers em competirem contra os vizinhos do sul terminará de vez. “A independência mataria esse sonho”, resumiu o adepto do Rangers. Já o rival, embora ressalvando que “o sonho já morreu há algum tempo”, admitiu que isso “seria ótimo para o Celtic”.

Andy, às tantas, desabafou que “poucas vezes faz alguma diferença o que os escoceses pensam”. Com ou sem futebol à mistura, e seja um ‘sim’ ou um ‘não’, a decisão da maioria será histórica. Mas aqui não há empates e só um dos gigantes de Glasgow ficará contente.