Evo Morales, o pastor de lamas que se tornou o primeiro Presidente ameríndio da Bolívia e o rosto da esquerda antiliberal latino-americana, disputa no domingo o terceiro mandato em eleições gerais. Prevê-se que ganhe na primeira volta.

Nascido na miséria, em Altiplano e formado no sindicalismo, Morales conseguiu levar ao seu país, o mais pobre da América Latina, uma estabilidade política e económica sem precedentes: a construção do teleférico urbano, o mais alto e mais longo do mundo — e o primeiro verdadeiro transporte público do país -, a colocação em órbita de um satélite, os resultados positivos no combate à pobreza e à fome, saudados a nível internacional, transformaram o quotidiano dos bolivianos.

“Hoje, temos dignidade. Nunca mais seremos mendigos, nem humilhados”, gosta Morales de repetir, após nove anos na liderança daquele país situado num enclave, de finanças estimuladas pela nacionalização dos hidrocarbonetos.

Na sua última ação de campanha, na passada quarta-feira à noite, seguro da sua vantagem nas sondagens de 41 pontos percentuais em relação ao adversário de centro-direita, o empresário Samuel Doria Medina, o atual chefe de Estado prometeu dar “uma bordoada no imperialismo, no neoliberalismo” para que “o povo boliviano triunfe”.

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“Em nove anos, aprendemos a bem governar e é por isso que ganharemos com uma grande maioria”, garantiu aos seus apoiantes do MAS (Movimento para o Socialismo), no seu bastião de El Alto, perto de La Paz.

As sondagens atribuem a Evo Morales 59% das intenções de voto, contra 18% para Samuel Doria Medina, seguido do ex-presidente conservador Jorge Quiroga (9%), do social-democrata Juan del Granado (3%) e do candidato do Partido Verde, Fernando Vargas (2%).

O escrutínio de domingo servirá igualmente para renovar o parlamento, composto por um Senado de 36 membros e uma Câmara dos Deputados de 130 lugares.

Aos 54 anos, o mais antigo Presidente em exercício do continente americano deverá, assim, ser reeleito à primeira volta pelos seis milhões de eleitores bolivianos para um mandato de cinco anos.

Chegado ao poder em 2006 com 54% dos votos, foi triunfalmente reeleito em 2009 com 64%. O seu partido dirige sete dos nove departamentos do país e três das 10 principais cidades (El Alto, Cochabamba e Potosi).

O Presidente reúne igualmente 50% de opiniões favoráveis na região de Santa Cruz, motor económico da Bolívia e reduto da oposição conservadora.

Santa Cruz foi até há pouco tempo a região que fazia a oposição mais combativa ao Governo de Evo Morales. Em 2008, dezenas de milhares de habitantes desse departamento mobilizaram-se a favor da autonomia e contra o Governo central.

Atualmente, os empresários do país já não estão em guerra aberta contra aquele que entretanto nacionalizou setores inteiros da economia, mas soube mostrar-se pragmático.

Crítico feroz de Washington, Evo Morales apresenta-se às eleições num contexto de estabilidade política inédita num país que viveu 160 golpes de Estado desde a independência, em 1825.

Reivindica também uma das maiores taxas de crescimento da região (cerca de 5% este ano) e a sua gestão do país recebeu encorajamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI), que considerou satisfatórios os indicadores macroeconómicos.

Segundo a agência especializada da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Bolívia pertence ao grupo de países da América Latina que mais reduziram a fome nos últimos anos.

“El Evo”, como lhe chamam os compatriotas, continua a suscitar uma forte adesão popular na Bolívia, onde 65% dos 10 milhões de habitantes se consideram indígenas. Ele continua a ser o Aymara nascido numa família pobre de Altiplano e que nunca terminou a escola.

Para muitos, a sua Presidência representa uma vingança histórica.

Desde a sua chegada ao poder, levou a cabo uma política de nacionalização dos principais recursos estratégicos do país, sobretudo dos hidrocarbonetos, e, em paralelo, uma “revolução pacífica, democrática e cultural” para reduzir as injustiças sociais e reabilitar as culturas tradicionais.

Nos últimos meses, diversos movimentos de contestação de estudantes, reformados e do exército revelaram, contudo, uma certa insatisfação, incluindo entre antigos simpatizantes do Presidente.

O candidato do Partido Verde, o líder indígena Fernando Vargas, opôs-se abertamente a Evo Morales, criticando os seus projetos de construção de barragens na fronteira com o Brasil, que ameaçam, sustenta, a região amazónica.

Por sua vez, Samuel Doria Medina acusou o Governo Morales de, nos últimos nove anos, ter conduzido a “mais corrupção, mais tráfico de droga e mais insegurança” e instou a que se “salve o processo democrático”.