Em 2008, numa entrevista ao jornal Público e à Rádio Renascença, José Saramago dizia que “os políticos dificilmente pedem desculpa às pessoas a quem de alguma maneira ofenderam”. Referia-se concretamente a Aníbal Cavaco Silva, primeiro-ministro em 1992 e ao seu subsecretário de Estado da Cultura, António de Sousa Lara, depois de terem riscado o livro “Evangelho Segundo Jesus Cristo” da lista de concorrentes ao Prémio Literário Europeu – o livro era contra o património religioso português, consideravam. Todavia, a história veio desmentir – pelo menos em parte – o prémio Nobel português. Em Portugal, parece estar a tornar-se moda. Em Espanha, Mariano Rajoy pediu desculpa esta terça-feira por causa dos casos de corrupção que estão a envolver o seu partido. O Observador relembra-lhe agora alguns dos mais mediáticos pedidos de perdão de políticos e chefes de Estado.
Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz: a Educação e a Justiça por um fio
“Estão a assistir a uma coisa que não é comum na história (…) não é comum um ministro chegar ao Parlamento e reconhecer a responsabilidade por um problema, que vai ser corrigido”. Foi assim que, a 8 de agosto deste ano, Nuno Crato começou a sua intervenção na Assembleia da República. O ministro da Educação formalizava, desta forma, o pedido desculpas “aos pais, aos professores e ao país”, admitindo que tinha havido um erro na organização das listas da Bolsa de Contratação de Escola.
Em causa, estava um desfasamento entre as escalas em que os professores são avaliados – uma respeitante à média final de curso e experiência profissional, e outra que resulta da avaliação curricular desenvolvida em função dos critérios de cada escola. De acordo com o ministro, “a harmonização dessas duas escalas não foi feita da maneira correta à face da lei”.
“Vou ser direto: procedi a uma averiguação do problema e assumo que houve uma incongruência por parte dos serviços do Ministério da Educação que tem de ser corrigida (…) Se houver alguma ultrapassagem de posições, essa situação também será corrigida”, garantia Nuno Crato, avançado, igualmente, que o Ministério ia investigar e “apurar responsabilidades”.
O resto da história é conhecido: a 18 de setembro, o diretor-geral da Administração Escolar (DGAE), Mário Pereira, demitiu-se; um mês e meio depois do início do ano letivo, faltam mais de 200 professores nas escolas com contrato de autonomia e em territórios de intervenção prioritária (TEIP); e Nuno Crato, apesar de continuar no cargo, terá posto o seu lugar à disposição, mas Passos Coelho recusou a demissão do ministro.
Sensivelmente um mês depois do mea culpa de Crato, foi a vez da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, ter pedido desculpa pelas falhas da plataforma Citius, um sistema criado por um grupo de oficiais de justiça, que provocaram “transtornos” nos tribunais.
A plataforma já tinha sido considerada “obsoleta” em 2011. Eram 3,2 milhões de processos, 80 milhões de documentos e 120 mil milhões de atos processuais transferidos para um sistema desenhado em 1990. O ministério decidiu avançar com a migração destes documentos e os resultados são conhecidos: alguns processos perderam os réus, os de família e menores davam erros, as testemunhas tinham moradas erradas, só para citar alguns problemas.
A ministra assumiu “integralmente a responsabilidade política” e garantiu que ia haver “um processo de averiguações, porque não há ninguém irresponsável”. As responsabilidades desta crise iam ser “apuradas até ao limite” assegurava Paula Teixeira da Cruz na mesma ocasião.
Rui Machete e o pedido de desculpas diplomático
No dia 4 de outubro de 2013, o Diário de Notícias dava conta das desculpas diplomáticas do ministro dos Negócios Estrangeiros a Angola pelos processos que corriam contra altos nomes da diplomacia angolana. Em causa estava uma entrevista de Machete à Rádio Nacional de Angola, em que revelava detalhes de processos que envolviam figuras importantes daquele país, que estavam a ser investigadas pelo Ministério Público, logo sob segredo de Justiça.
“Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas e, naturalmente, informar às autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar”, acautelava o ministro à rádio Angolana.
Mesmo debaixo de toda a polémica que se instalou à volta destas declarações polémicas, Rui Machete não se demitiu, apesar de reconhecer que a declaração tinha sido “infeliz”.
Pedro Passos Coelho dá o exemplo
“Começo por pedir desculpa aos portugueses”, dizia Pedro Passos Coelho no dia 13 de maio de 2010, na altura ainda como líder da oposição social-democrata. José Sócrates era primeiro-ministro e o Governo acertava com o PSD novas medidas adicionais inscritas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).
“Peço desculpa, não por me sentir responsável pela situação internacional que justificou estas medidas” mas porque são “medidas duras para os portugueses e para o país” (…) “É altura de dar a mão ao país dada a situação em que se encontra”.
O “maior aperto de que há memória nos últimos anos” obrigava a novos cortes e aumentos de impostos que Passos tinha garantido que não querer fazer.
Dois anos depois, em 2012, era o cidadão Pedro que se dirigia aos “amigos” portugueses no Facebook, “frustrado” por ter de “informar os portugueses, que têm enfrentado com tanta coragem e responsabilidade este período tão difícil da nossa história, de que os sacrifícios ainda não terminaram”.
Manuel Pinho e o gesto da polémica
As imagens do gesto “tauromáquico” do então ministro da Economia do Governo de José Sócrates ainda estão bem presentes na memória coletiva do país.
O episódio remonta a 2 de julho de 2009. Em pleno debate no Parlamento, Manuel Pinho teve uma acesa troca de palavras com o deputado comunista Bernardino Soares e com o então líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, que terminou com Pinho a simular os “chifres” da polémica.
Instantes depois, Manuel Pinho abandona a AR e quando confrontado pelos jornalistas reconhece que “se excedeu”, pedindo desculpas. Todavia, num primeiro momento afastou a possibilidade de se demitir, argumentando que “não via razões” para tal. Entendimento diferente teve José Sócrates que “em nome do Governo” pedia “desculpa ao Parlamento”. O ex-primeiro-ministro consumava, assim, a demissão do ministro da Economia, considerando “injustificável” a sua atitude.
Jorge Coelho e a queda da ponte de Entre-os-Rios: “A culpa não pode morrer solteira”
A 4 de março de 2001 a queda da ponte Hintze Ribeiro, que ligava Penafiel a Castelo de Paiva, provocou a morte de 59 pessoas, deixando Portugal de luto. A tragédia teve também impactos políticos no país, na altura liderado pelo governo socialista de António Guterres: Jorge Coelho reconheceu que a ponte de Entre-os-Rios já apresentava sinais de “alguma degradação a nível do tabuleiro” e, como tal, tinha sido responsabilidade do Governo não ter tomado precauções.
O antigo ministro do Equipamento Social “assumia a responsabilidade política” pela tragédia, garantido que, se não se demitisse, “não ficaria bem com a minha [sua] consciência”. Argumentado que “a culpa não pode [podia] morrer solteira” apresentou o seu pedido “irrecusável” de demissão a António Guterres, que compreendeu as motivações do ministro, sublinhando a “atitude invulgar de dignidade” de Jorge Coelho.
Carlos Borrego e a piada infeliz
Sabe aquele momento constrangedor em que conta uma anedota, mas nenhum dos seus amigos lhe acha piada? O ministro do Ambiente e Recursos Naturais do Governo de Durão Barroso, Carlos Borrego, levou essa situação a um nível extremo e acabou com a sua carreira política.
Numa visita ao Alentejo, a 10 de junho de 1993, o engenheiro e professor universitário disse: “Sabem o que é que no Alentejo – em Évora melhor dizendo – fazem aos cadáveres das pessoas que morreram ultimamente? Levaram-nos para reciclar, para aproveitar o alumínio”.
Como lembra o Diário Digital, “a contaminação por alumínio da água que abastecia o serviço de hemodiálise do Hospital de Évora provocou a morte a 25 pessoas que realizavam aquele tratamento”, o que explica bem a gravidade das declarações de Borrego. Foi demitido e substituído por Teresa Gouveia.
Do Vaticano aos EUA
Como prova o exemplo recente de Mariano Rajoy, também os pedidos de perdão além-fronteiras são marcos históricos. O último a fazê-lo foi o Papa Francisco, que, a 7 de julho deste ano, pediu desculpas pelos “crimes de omissão” da Igreja Católica nos casos que envolvem abusos sexuais de crianças e menores.
“Perante Deus e o seu povo expresso a minha dor pelos pecados e graves crimes de abusos sexuais cometidos pelo clero contra vós e humildemente peço perdão (…) Peço-vos também perdão pelos pecados de omissão por parte de líderes da Igreja que não responderam adequadamente às denúncias”, proferiu Jorge Bergoglio, garantido que “não [ia] tolerar o mal infligido” a um menor por parte de ninguém, “independentemente do seu estado clerical”.
Em 2011, foi o primeiro-ministro egípcio, Ahmad Chafic, quem pediu desculpa aos cidadãos pelos incidentes ocorridos na praça Tahrir, em que partidários do presidente egípcio, Hosni Mubarak, e da oposição defrontaram-se violentamente sem que o Exército interviesse.
Outro dos pedidos de desculpa mais marcantes da história recente e com maior significado político, até pela dimensão dos crimes cometidos, foi aquele que foi protagonizado por Joachim Gauck, o chefe de Estado alemão, numa visita à Grécia a 7 de março deste ano.
“É com vergonha e com dor que peço perdão às famílias dos assassinados. Inclino-me perante as vítimas deste crime monstruoso” (…) desejaria tanto que alguém que deu ou cumpriu ordens tivesse dito há muito: ‘Lamento-o infinitamente’ ou: ‘Arrependo-me de ter obedecido a ordens criminosas'”, afirmou Joachim Gauck, a propósito dos massacres nazis.
O 42º presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton, é outro exemplo de alguém que teve de se justificar e de pedir desculpa depois de se ver envolvido num escândalo sexual: a relação extraconjugal com a então estagiária Monica Lewinsky.
Depois de meses de especulações, depois de vários desmentidos e contradições, depois de ter sido confirmado que o sémen no vestido de Lewinksy era do Presidente, a 11 de setembro de 1998, Bill Clinton faz finalmente um pedido desculpas solene, assumindo pela primeira vez ter tido uma relação imprópria com Lewinsky.
“É importante para mim que todos que foram magoados saibam que o arrependimento que sinto é verdadeiro – primeiro e mais importante que tudo a minha família, também os meus amigos, a minha equipa, o meu gabinete, Monica Lewinsky e a sua família e o povo americano. Pedi a todos que me perdoem e acredito que serei perdoado”, confessava Clinton no Salão Este da Casa Branca, numa cerimónia onde se encontravam vários líderes religiosos e a própria Hillary Clinton.
24 anos antes, a 9 de agosto de 1974, Richard Nixon tinha-se tornado o primeiro Presidente norte-americano a demitir-se – depois do caso Watergate.
O escândalo rebentou em 1972, resultado de uma investigação do jornal americano Washington Post que colocava Nixon no centro de um esquema de espionagem através de escutas telefónicas colocadas na sede do Partido Democrata. Richard Nixon ainda conseguiu a reeleição nesse ano, mas acabou por ceder à pressão mediática e abandonar a Casa Branca a 9 de agosto de 1974, depois de pedir desculpas publicamente. Foi substituído pelo então vice-presidente, Gerald Ford.