O PSD e o PS uniram-se na tarde de quinta-feira para aprovar a recuperação das subvenções para os ex-políticos que têm rendimentos acima de 2.000 euros, proposta pelos deputados Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS), depois de um dia cheio de avanços e recuos. O CDS-PP absteve-se na votação, e o PCP e BE votaram contra. Mas o assunto não vai ficar por aqui. O Bloco de Esquerda está a tentar travar a aprovação da proposta, aproveitando as divisões quer no PS quer no PSD e amanhã o assunto volta ao plenário.

Depois da aprovação esta quarta-feira, o BE quer ainda que o tema seja votado por todos os deputados em plenário, uma vez que a proposta foi aprovada em votação na comissão especializada. Assim, o BE, o único partido que falou contra a proposta, na discussão de hoje na Assembleia da República, decidiu pedir a avocação a plenário e aproveitar a divisão nos dois partidos. É que nem todos os deputados estão de acordo com esta proposta dos dois deputados, apesar de ser difícil uma rebelião nas bancadas que virasse a votação.

No PS já se conhece uma oposição à proposta. Os jovens da JS do Porto já disseram estar contra a iniciativa. Em comunicado, dizem “repudiar de forma veemente” esta medida e apelam aos atuais órgãos do partido e a António Costa que “intercedam e corrijam a posição do PS nesta situação perfeitamente absurda”.

A proposta apresentada pelos dois deputados até começou o dia bem encaminhada: o PS garantia que não iria inviabilizar a proposta, no plenário só o Bloco de Esquerda falou dela (e contra ela) e garantiu que votava contra. O PCP, já depois da discussão na generalidade, decidiu comunicar que ia rejeitar a proposta.

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No entanto, da maioria os sinais eram contraditórios. O PSD decidiu que ia votar a favor, mas não o disse publicamente, enquanto o CDS-PP se remetia ao silêncio. Quando parecia que tudo estava encaminhado, o PSD decidiu que ia propor o adiamento da votação da proposta.

O dia não acabaria sem mais um ‘twist’ na história: o PSD recuou no seu recuo e votou a proposta. Com isto, chegado ao final do dia, PSD e PS juntaram-se para aprovar a proposta. O CDS-PP absteve-se e não falou sobre o tema, o BE e o PCP votaram contra.

O impasse

Imediatamente a seguir à votação da proposta na comissão parlamentar de orçamento, finanças e administração pública, onde se termina o primeiro dia de votações na especialidade do orçamento (artigo a artigo, 300 paginas de lei e mais de 500 propostas de alteração), o PSD decidiu justificar publicamente a aprovação da proposta, mas também o impasse. Sobre a posição do CDS-PP, dessa não falou.

“Tivemos que ponderar um aspeto que é fundamental é que estas subvenções não podem ter um regime mais favorável daquele que se aplica a todos os regimes de pensões, daquele que se aplica aos pensionistas em geral, e portanto houve algum impasse na votação”, explicou o deputado do PSD Hugo Velosa, que diz que esse impasse e reconheceu as notícias da sua suspensão, se deveram apenas a tentar garantir que as subvenções vitalícias não eram beneficiadas.

No entanto, a própria proposta de Couto dos Santos e José Lello já explica que o regime que é proposto é mais gravoso para as subvenções do que para as pensões em geral, porque o corte de 15% extra começa nos 2000 euros, e não nos 4600 euros como se aplica nas pensões.

Confrontado com esta explicação e sobre qual o papel do CDS-PP neste “impasse”, Hugo Velosa disse apenas que os deputados estiveram a avaliar se se aplicava apenas o corte no excedente dos 2000 euros ou se estavam também sujeitos aos restantes cortes que se aplicam às pensões. Sobre o CDS-PP, nada disse

O que está em causa

A proposta de Couto dos Santos e de José Lello propõe que sejam repostas as subvenções acima de 2000 euros, que estavam suspensas, e defende-se com uma eventual inconstitucionalidade. A parcela de rendimento será assim descongelada, mas aplica-se um corte de 15% sobre o valor que exceda os 2000 euros.

“No ano de 2015 as subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos, bem como as respetivas subvenções de sobrevivência, em pagamento e a atribuir, são sujeitas a uma contribuição extraordinária de 15% sobre o montante que exceda 2000 euros”, lê-se na proposta.

O argumento do PSD e do PS

Hugo Velosa, que explicou pelo PSD a aprovação da proposta, diz que esta apareceu “porque se verificou que havia a possibilidade de a suspensão por condição de recursos, que vigorava até agora, ser considerada inconstitucional, tal como aconteceu nas pensões de sobrevivência”.

Para além disto, diz o PSD, “trata-se de uma questão de justiça”. “Aplicava-se às subvenções vitalícias, para os ex-titulares de cargos políticos que estiveram em funções até 2005, um regime único que não fazia qualquer sentido, que era de aplicar a condição de recursos dos mil euros ilíquidos para o agregado familiar”, afirmou.

Isabel Moreira, a deputada do PS que assumiu a defesa da proposta (o vice-presidente da bancada Vieira da Silva disse à Lusa da parte da manhã que o PS não ia inviabilizar a proposta), disse esta alteração é uma questão de “justiça constitucional” e que esta “ablação” das subvenções se tratou de uma “medida política” que só foi adotada para ir de encontro ao sentimento popular “contra os políticos”. “Era uma medida que vai de encontro à destruição dos direitos consolidados. Eu pessoalmente tenho o maior apreço por todos os titulares de cargos políticos que ajudaram a construir a nossa democracia e acho que não devemos ceder a populismos”, afirmou a deputada.

Isabel Moreira garantiu que esta medida de reposição teve apoio da bancada socialista e que o entendimento com o PSD foi “fácil”, acrescentando ainda que isto terá pouco impacto a nível orçamental pelo número de destinatários ser “pequeno”. A deputada disse ainda que o PS só não avançou com a fiscalização sucessiva desta norma porque o “requerimento tinha de ser preparado o mais rápido possível”.

Quem tem direito

Só os ex-titulares de cargos políticos antes de 2005, que já recebiam subvenções, verão repostas estas parcela de rendimento.

Uma alteração feita pelo anterior Governo, liderado por José Sócrates, já tinha eliminado a possibilidade dos ex-titulares de cargos políticos pudessem vir a receber qualquer benefício deste tipo caso ainda tivessem em funções após o ano de 2005, e, consequentemente, para todos os que ainda estão em exercício.

Bloco de Esquerda classifica a decisão como “vergonhosa”

O Bloco de Esquerda já tinha sido o único partido a falar contra a medida no plenário, quando se discutia a proposta de orçamento onde esta está incluída, e foi também o primeiro a reagir.

“Assistimos a um momento vergonhoso na Assembleia da República. O Governo que cortou pensões e que cortou salários vem agora dizer que tem dinheiro para repor os privilégios dos políticos, coisa que tinha dito no ano passado que tinha a coragem de cortar. Afinal a coragem foi de pouca dura, e o bloco central renasceu no seu pior”, afirmou o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares.

O deputado disse que o partido está contra este tipo de privilégios, que “eles nunca deveriam existir” e considera “anedótico” o PSD justificar a reposição das subvenções com artigos da Constituição, quando anteriormente “quase parecia desconhecer os artigos da constituição”.

PCP quer revogar subvenções

O PCP, já depois da discussão em plenário do orçamento na especialidade, e ainda antes das votações, explicou que votaria contra e que vai apresentar uma proposta para revogar a atribuição destes benefícios.

“A nossa proposta vai no sentido de revogar todas as subvenções vitalícias que são pagas”, disse o líder parlamentar comunista, João Oliveira, admitindo no entanto exceções “nas situações em que fica em causa a subsistência da pessoa que aufere a pensão ou esteja em causa a sua insolvência há uma consideração diferenciada para que isso não aconteça”.

(Artigo atualizado com mais informação às 18:51)