As mudanças à legislação que atualmente regula a punição de crimes de corrupção em Portugal e que estavam na Assembleia da República desde 2013 vão acabar por se concretizar no meio do escândalo que envolve José Sócrates, acusado de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Os deputados do PSD e do PS defendem que esta coincidência nada tem a ver com “o caso” e que não terá quaisquer repercussões para o ex-primeiro-ministro já que a legislação só se vai aplicar a partir do momento em que a lei entre em vigor.

Em 2013, tanto PS como PSD apresentaram propostas para integrar na legislação portuguesa recomendações dirigidas ao país em matéria de corrupção pelo Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), Nações Unidas e OCDE. Mas só agora é que os dois partidos vão consensualizar as duas propostas e elaborar um texto conjunto numa reunião agendada pelos deputados do PS e PSD que fazem parte da comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e também do grupo de trabalho que acompanha a Aplicação das Medidas Políticas e Legislativas de Combate à Corrupção.

“A bancada do PS disse que antes das eleições internas do partido não havia legitimidade para fazer um texto comum. E agora parece que estamos a legislar sobre um caso concreto, embora todo o processo se tenha atrasado desde o final da última legislatura”, diz ao Observador Hugo Soares, deputado do PSD e coordenador deste grupo de trabalho. O social-democrata explica que devido às circunstâncias que envolvem o antigo primeiro-ministro, os parlamentares consideraram que valia a pena acelerar este processo.

Luís Pita Ameixa, deputado do PS e vice-presidente da bancada parlamentar, admite que é “um processo complexo” especialmente quando se pode “ligar uma coisa à outra”, embora defenda que estas alterações já vêm a fazer-se “há algum tempo”. “É preciso lembrar que a aplicabilidade destas medidas será para casos no futuro e que este processo que está a decorrer é a imune às alterações que vão passar a vigorar”, assegura o deputado.

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Pedro Passos Coelho disse na entrevista de quinta-feira à RTP que “é tempo de não baixar os braços” e insistir na criminalização do enriquecimento ilícito, mas esta sexta-feira veio pôr água na fervura dizendo que isto não tem de se fazer “à pressa”. No entanto, estes comentários foram vistos no PS como “uma jogada sub-reptícia” e como “oportunismo do primeiro-ministro”. “Existe consenso político, mas o que foi feito pelo PSD e pelo CDS em 2011 era inconstitucional e não podemos apoiar medidas que não passam no Tribunal Constitucional” disse ao Observador o deputado Pita Ameixa.

O enriquecimento ilícito é outra matéria relacionada com a corrupção que foi aprovado em 2012 pelo Parlamento com os votos favoráveis do PSD e CDS (contra a vontade do PS) e que foi chumbado pelo Tribunal Constitucional, que se opôs à separação deste tipo de crime.

Já o pacote de medidas anti-corrupção que está no Parlamento desde 2013, para introduzir as recomendações das organizações internacionais na legislação portuguesa, é mais consensual e vai “apertar mais a malha ao tráfico de influências”, tornando desnecessário continuar com a bandeira do enriquecimento ilícito, no entendimento do deputado do PS.

Então o que pode mudar? Estas são algumas das medidas propostas pelos diplomas do PS e do PSD:

No Código Penal:

  • Responsabilizar penalmente as pessoas coletivas de direito público e incluir a responsabilidade penal das pessoas coletivas pelo crime de peculato;
  • Incluir o tráfico de influências no leque dos crimes a que se aplica um prazo de prescrição do procedimento criminal de 15 anos;
  • Aumentar as penas de prisão de tráfico de influência (pena mínima atual é de seis meses e proposta é passar para um ano), criminalizando-se o tráfico de influência ativo para ato lícito, passando a punir-se também a tentativa deste crime;
  • Quem denunciar as suas próprias práticas de corrupção num prazo de 30 dias após a prática do ato, pode ser dispensado de pena sempre que restitua a vantagem que recebeu – até agora bastava a denúncia.

Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos:

  • Passa a ser punido quem tentar impedir ou constranger o livre exercício das funções do Provedor de Justiça. A pena de de prisão proposta é de um a cinco anos;
  • Os titulares de cargos políticos que denunciem as suas más práticas num prazo de 30 dias após a prática do ato, podem ser dispensados de pena sempre que restituam a vantagem que receberam;
  • Vai passar a ser punido também quem fizer utilização em proveito próprio de bens imóveis públicos – até agora só se aplicava a bens móveis e dinheiro;
  • Sobem as penas para os titulares de cargos políticos que permitam que outra pessoa usufrua de bens públicos que lhes foram atribuídos no âmbito do seu trabalho. Pena mínima aumenta de 18 meses para dois anos e também aumentam os dias de multa.