A demora no reconhecimento das perdas com a participada angolana nas contas do Banco Espírito Santo (BES) é um dos temas centrais na audição do presidente da KPMG Portugal na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do Grupo Espírito Santo (GES).
Sikandar Sattar, escutado nesta terça-feira, justificou a opção da KPMG de não recomendar a constituição de uma provisão no BES nas contas de 2013 com a concessão de uma garantia do estado angolano equivalente a 4,3 mil milhões de euros para responder ao elevado risco de incumprimento dos clientes do BESA. Estes créditos tinham sido concedidos com base no financiamento avançado pela casa-mãe, o Banco Espírito Santo.
Esta garantia soberana só foi dada em novembro de 2013 e foi considerada válida pelo Banco de Portugal, não obstante o supervisor ter entretanto decidido que o aval de Luanda não contaria para o cálculo dos rácios financeiros do BES.
A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, quis saber porque não foi constituída uma garantia antes de 2013, uma vez que a situação de grandes volumes de crédito mal parado tinha sido já detetada em 2012 nas contas do BESA que eram auditadas pela KPMG Angola.
Presidente da KPMG Portugal é presidente da KPMG Angola
Sikander Sattar respondeu que o reporte então feito pela auditora do BESA apontava para a existência de limitações operacionais, sobretudo a nível de sistema informático, que não permitiam saber a dimensão de eventuais perdas. Só em 2013, acrescenta, foi feita a reavaliação das hipotecas dadas como garantia a esses créditos centrados no setor imobiliário, que levou à concessão da garantia pessoal de Luanda negociada diretamente entre Ricardo Salgado e o presidente angolano.
Mas quando o PS voltou a questionar as razões por trás desta garantia, Sikander Sattar invocou sigilo profissional relacionado com a legislação angolana, o que levou o deputado João Galamba a pedir a audição do presidente da KPMG Angola que também é Sikander Sattar.
Resolução do BES ficou mais cara por causa de Angola
A garantia soberana de Angola ainda “salvou” o BES de uma situação de incumprimento de rácios de capital durante alguns meses. Mesmo os prejuízos colossais do primeiro semestre não reconheciam perdas potenciais relacionadas com esta situação. As necessidades mínimas de capital, que então seriam de 1,5 a 1,6 mil milhões de euros, disparam num cenário de reconhecimento das perdas relativas a Angola e aproximam-se do valor da recapitalização feita na resolução do banco, 4900 milhões de euros.
Só depois de decidida a resolução do BES é que Angola revogou a garantia e as perdas foram assumidas na sua totalidade pelo banco mau, pesando no custo da solução. O crédito concedido pelo BES à filial angolana foi transferido para o Novo Banco a preço zero. O Novo Banco ficará com todo o crédito for recuperado. O BESA entretanto já foi recapitalizado com novos acionistas angolanos, à revelia do BES.