O serviço secreto de espionagem da ditadura militar brasileira (1964-1985) atuou em Lisboa para vigiar brasileiros contrários ao regime, segundo o relatório final da Comissão da Verdade, divulgado esta quarta-feira.

A espionagem acontecia através do Centro de Informações do Exterior (Ciex), tutelado pelo Ministério das Relações Exteriores.

A comissão informou ter conseguido reunir elementos documentais ou testemunhais de que o Ciex teve bases em Lisboa, Paris, Genebra, Praga, Moscou, Varsóvia, Berlim Oriental, Santiago, Montevidéu, Buenos Aires e Assunção.

Há também “fortes indícios”, segundo o relatório, de que o sistema de espionagem no exterior funcionasse também em La Paz, Lima, Caracas e Londres. Os principais focos do Ciex, entretanto, eram os países do Cone Sul da América Latina, onde havia mais exilados brasileiros.

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A Comissão da Verdade informou também, com base no depoimento de um embaixador, que o Ciex chegou a Lisboa em 1974, logo após a queda da ditadura portuguesa, e que “deveria recorrer a informantes pagos para acompanhar as atividades políticas dos exilados”.

O embaixador citado “não mediu palavras para desqualificar o Ciex – que, ao seu ver, fazia o ‘trabalho sujo’ de polícia política, nada tendo de um verdadeiro órgão de inteligência”, informa o relatório final da comissão.

O documento também afirma que, logo após a Revolução dos Cravos, foram enviadas para a Embaixada do Brasil em Lisboa orientações sobre como atuar perante a tentativa de brasileiros “ligados à subversão” de se estabelecerem em Portugal.

A recomendação era a de que se enviasse mensalmente para Brasília os nomes, a identificação e outras informações sobre os brasileiros que tivessem entrado no país após o 25 de abril de 1974 e que contactassem com os postos consulares pela primeira vez, e também daqueles cuja chegada a Portugal fosse possível apurar por outras fontes, como a imprensa ou contatos de terceiros.

A espionagem feita pelo Ciex em Lisboa incluiu informações sobre a passagem do ex-presidente brasileiro João Goulart (derrubado pelo golpe militar em 1964) pela cidade, em outubro 1976, e uma especulação sobre um possível encontro com o então primeiro-ministro Mário Soares, segundo o relatório da Comissão da Verdade.