A candidatura cidadã Tempo de Avançar, que reúne na mesma plataforma quatro organizações políticas – partido Livre, Fórum Manifesto, Renovação Comunista e MIC-Porto -, vai arrancar com uma série de sessões públicas com o objetivo de “recolher propostas para ajudar a construir as grandes linhas programáticas que farão parte do projeto de candidatura do Livre às eleições legislativas”, esclareceu Ana Drago ao Observador.
O primeiro grande teste do movimento, que é visto por muitas pessoas como um futuro parceiro do PS de António Costa, vai acontecer na convenção agendada para 31 de janeiro, onde vão ser aprovadas as linhas programáticas e onde se dará início ao processo de constituição de listas candidatas. Até lá, a ex-bloquista e uma das promotoras do Fórum Manifesto, a par de Daniel Oliveira – também ele antigo integrante do Bloco de Esquerda – acredita que a iniciativa vai reunir “contributos muito positivos” para a discussão daquilo que será o caminho a percorrer nas eleições legislativas. A socióloga mostra-se otimista quanto à adesão aos eventos, porque, afirma, “a maioria dos cidadãos não se revê nas estruturas partidárias”. “Esta é uma forma de dar voz a quem não se vê representado nos partidos políticos”, sublinhou Ana Drago.
A defesa do Estado Social, o combate ao desemprego e a relação com a Europa e a União Europeia serão algumas das questões-chave a serem debatidas nas sessões públicas que vão ter lugar em vários pontos do país. Mas as grandes bandeiras da candidatura cidadã são a reestruturação da dívida pública e o fim da política de austeridade.
“É urgente colocar um ponto final nesta política que lança para o desemprego e para a pobreza milhões de portugueses”. Tal passará, necessariamente, “pela reestruturação da dívida pública e privada que, neste momento, atingiu patamares de insustentabilidade insuportáveis”, atentou. Além disso, “esta discussão é transversal à sociedade civil e vai muito além dos movimentos e partidos de esquerda”, sublinhou a ex-bloquista.
Apesar de afastar, para já, a discussão de eventuais acordos pós-eleitorais, Ana Drago acredita que é “necessário construir uma grande plataforma de entendimento que abranja todos os partidos e movimentos que se situam à esquerda no espetro político português” e que serviram de oposição ao Executivo liderado por Passos Coelho. “É preciso dar passos essenciais para a proteção do Estado Social, para o combate ao empobrecimento, à precariedade e à emigração”. Por isso, mesmo admitindo que “não vêm aí tempos de maravilha”, a socióloga afirma que é fundamental “encontrar uma resposta política que dê uma solução e um futuro ao país”, que não passe pelo caminho de “austeridade” escolhido pelo Governo social-democrata.
Ana Drago pronunciou-se, ainda, sobre António Costa, o candidato socialista às próximas eleições legislativas. Num momento em que se coloca o cenário de o PS, caso vença as eleições, ter de procurar acordos com a esquerda – sobretudo se não conseguir a maioria absoluta -, a socióloga reafirmou o desejo de ver o movimento cidadão – representado pelo Partido Livre, a única organização que, estatutariamente, pode ir a votos – como uma alternativa sólida de governação.
Nesse sentido, a ex-deputada revelou-se “satisfeita com os esforços de António Costa” traduzidos nas últimas reuniões com bloquistas e comunistas e nas recentes declarações do presidente da Câmara de Lisboa. Ainda na segunda-feira, Costa afirmou, em declarações aos jornalistas, que “o PS recusa o conceito de arco da governação, como se, por direito divino, só três partidos tivessem direito a ser partidos de Governo e que os portugueses estavam impedidos de escolher quem os governa. Em democracia todos os partidos têm a mesma legitimidade democrática, todos os partidos contam e os portugueses é que decidem como se formam as maiorias”.
A aproximação entre o PS e o Partido Livre já vem de antes, como se viu no XX Congresso Socialista. Na altura, Carlos César, eleito nesse congresso presidente do partido, referiu-se ao PCP e ao BE como “a esquerda só tem sido útil à direita”, já depois de Marcos Perestrello, presidente da federação de Lisboa (FAUL), ter criticado o “sectarismo” dos dois partidos. No discurso de encerramento, foi a vez de António Costa rejeitar a hipótese de uma reedição do Bloco Central, voltando o seu discurso para esquerda. Uma esquerda onde o Livre parece surgir como o parceiro ideal do PS, caso vença as eleições sem uma maioria absoluta.
Mas o namoro entre socialistas e a candidatura cidadã é complicado. Além de algumas questões basilares que os separam, desde logo as que envolvem a reestruturação da dívida, a dúvida em torno de o que fará António Costa caso seja eleito primeiro-ministro sem maioria continua a assombrar a relação.
Aliás, as recentes reuniões entre Costa e PSD – e a reunião já agendada com CDS – são vistas com “estranheza” por Ana Drago. “Não é a mesma coisa governar à esquerda ou à direita. Parece que tanto faz procurar entendimentos” com partidos que “defendem uma solução de austeridade para o país”, como com “partidos que defendem uma política de apoio ao crescimento económico e a defesa do Estado Social”, argumentou a ex-deputada.
Ana Drago acrescentou, ainda, que, até ao momento, não há qualquer reunião agendada entre a candidatura cidadã e os socialistas. “A prioridade é concentrar esforços em reunir contribuições positivas para a construção do projeto que vai ser apresentado aos portugueses nas próximas eleições legislativas”, sublinhou Drago.
Além da iniciativa em Vila Franca de Xira a 8 de janeiro, esta semana vão-se realizar sessões abertas ao público também em Coimbra (9) e em Faro (10).