Os gases resultantes da digestão dos animais e libertados pelos dejetos fazem da indústria agropecuária um setor com uma forte contribuição em gases com efeito de estufa. Existem experiências que visam diminuir a quantidade de gases produzidos no estômago das vacas ou que pretendem recolher esses gases. Outra das hipóteses é reduzir a quantidade de gases libertados pelos dejetos durante o armazenamento e aplicação como fertilizante, como propõe o projeto ReUse Waste – um consórcio internacional que conta com duas instituições portuguesas.
O setor agropecuário contribui com 18% das emissões de gases com efeito de estufa, segundo os dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), incluindo 65% do óxido nitroso e 35% do metano produzidos por atividades humanas. O impacto ambiental do setor é um dos principais focos do documentário Cowspiracy que estreou em Portugal no sábado.
Apesar de todos animais produzirem dejetos, a preocupação não se centra nos animais que crescem ao ar livre, mas naqueles que estão confinados aos estábulos, como as vacas que produzem leite, os suínos, ou até os aviários. Todos os dejetos produzidos, fezes e urina, e as águas de lavagem são juntos no mesmo efluente, armazenados, tratados e posteriormente aplicados no solo. Como pode haver libertação de gases com efeito de estufa durante qualquer fase deste processo as equipas do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa pretendem reduzir estas emissões, em especial de amoníaco.
“O gado produz 130 vezes mais excrementos do que a população humana”, refere Nuno Sequeira, presidente da associação ambientalista Quercus.
Cada equipa tem uma tarefa específica. À equipa de David Fangueiro, investigador no ISA, coube a missão de reduzir as emissões gasosas de amoníaco – um composto de azoto -, durante o armazenamento. A diminuição do pH no efluente durante o armazenamento permite diminuir as emissões de amoníaco ao mesmo tempo que aumenta a disponibilidade dos nutrientes na altura da aplicação como fertilizantes. Mas o uso de ácido sulfúrico concentrado, como se faz atualmente, exige muitos cuidados e regras restritas de manuseamento. Usar ácidos menos agressivos ou um pó de sulfato de alumínio cumpre a mesma função, com a vantagem de ter uma forma de aplicação mais fácil e segura.
“Embora seja eficiente em reduzir as emissões de amoníaco, é preciso garantir que não tem efeito negativo na emissão de outros gases ou na lixiviação de nitratos”, refere David Fangueiro. Usar alternativas ao ácido sulfúrico não pode aumentar a libertação de outros compostos, mas se reduzir tanto melhor. “Até ao momento há indicação que este tipo de acidificação inibe a formação de nitratos e diminui a lixiviação.” Outra vantagem da utilização de compostos alternativos é uma redução significativa da formação de espuma que pode transbordar quando a fossa está cheia ou afetar os animais quando a acidificação é feita no estábulo.
Também preocupados com o armazenamento, a equipa de Henrique Trindade, investigador no CITAB, refere que as condições em que é feito podem reduzir as emissões. Por um lado, cobrindo a fossa com materiais biológicos, como aparas de madeira ou palha triturada, ou materiais artificiais. Por outro, separando a fração líquida da fração sólida – todos os resíduos que tenham um tamanho superior a meio milímetro. “Os nutrientes da urina [componente principal da fração líquida] estão disponíveis mais facilmente e devem ser usados no período de crescimento – primavera e verão -, enquanto as fezes [fração sólida] deve ser usada durante o inverno.” Se os estábulos permitissem uma separação imediata assim que os animais libertassem os dejetos seria ainda melhor – com as emissões de gases há perda de nutrientes, logo perda de dinheiro, explica o investigador.
Mas a equipa do CITAB também está preocupada com as emissões de gases com efeito de estufa durante a aplicação de fertilizantes no solo. No caso da fração líquida são adicionados micro-organismos que modificam as características do efluente, inibindo a nitrificação e consequente formação de óxido nitroso, conforme indicam os dados preliminares do projeto. As emissões de outros gases também são seguidas, porque há tratamentos aplicados no armazenamento que podem aumentar a emissão de gases durante a aplicação.
Fundamental é a também formação dos produtores. Tanto na aplicação de aditivos no armazenamento ou aplicação da fração líquida, como no tratamento da fração sólida, que deve ser sujeita a compostagem (decomposição biológica de resíduos orgânicos). “A má utilização de uma técnica pode não resultar como se pretendia”, refere Henrique Trindade. “A compostagem deve se feita com bom arejamento, se for mal conduzida pode aumentar as emissões de gases com efeito de estufa.”
A equipa do ISA também está preocupada com as emissões durante a aplicação. Em conjunto com a UTAD, com o Instituto Politécnico de Castelo Branco e com o Instituto Politécnico de Viseu, pretendem testar a aplicação à superfície do solo dos efluentes tratados com compostos alternativos, como o sulfato de alumínio, e avaliar a emissão de gases e a perda de nutrientes por lixiviação.
As técnicas referidas pelos investigadores portugueses não são totalmente novas, mas as modificações podem trazer vantagens para o produtor e para o ambiente, como é objetivo do consórcio composto por oito instituições científicas e oito empresas. “O objetivo principal do ReUseWaste é educar os jovens cientistas a repensar os sistemas estabelecidos de gestão de estrume e aplicar novas tecnologias para a utilização melhorada e sustentável da matéria e nutrientes valiosos recursos orgânicos em adubo”, lê-se na página do projeto liderado pela equipa dinamarquesa.