Comer animais pode ser mais prejudicial para o planeta do que tomar duches longos e conduzir carros poluentes. A pegada ecológica causada pela agricultura animal, e ainda pouco conhecida, é o tema de “Cowspiracy”, cuja estreia em Portugal acontece no sábado, 10 de janeiro, às 11h00, no cinema do Saldanha Residence, em Lisboa. A sessão, que inclui debate com os realizadores e mostra de gastronomia, esgotou em poucos dias, pelo que foi adicionada uma nova data para o dia seguinte.

O ‘Cowspiracy’ pode ser o mais importante filme feito para inspirar a salvação do planeta“. O elogio é forte, mais ainda porque veio de Louie Psihoyos, realizador de “The Cove” (“A Baía da Vergonha” é o título em português), documentário norte-americano sobre a caça de golfinhos no Japão e que venceu o Óscar de melhor documentário em 2010.

O título do filme realizado por Kip Andersen e Keegan Kuhn é um trocadilho entre as palavras vaca (cow) e conspiração (conspiracy), mas “Cowspiracy” tem mais a ver com factos do que com teorias da conspiração, factos que mostram a existência de um problema maior do que todas as vacas que habitam a Terra: a pegada ecológica causada pela criação de animais para alimentação. A partir daí, os realizadores questionaram várias Organizações Não Governamentais (ONG) ambientalistas, como a Greenpeace, sobre porque é que a questão não está a ter a atenção que merece. As reações compiladas no filme surpreendem.

Os vários casos de pessoas por todo o mundo que deixaram de comer carne, ou que renunciaram aos produtos de origem animal, podem fazer com que “Cowspiracy” pareça mais uma ação para proteger os direitos dos animais, mas não, não restem dúvidas: este é um filme ambientalista. Se não sabia que 51% das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa são causadas pela pecuária e atividades relacionadas (dados do Worldwatch Institute), eis a razão por que os realizadores decidiram avançar com as filmagens.

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Fiquei chocado por aos 29 anos de idade estar completamente deslocado do problema principal de insustentabilidade do planeta”, disse o apresentador João Manzarra ao Observador. “O documentário é muito factual, trata de problemas reais e devastadores que não são tratados nem pela maioria das ONG, e que são ignorados pela maioria das pessoas”. Em Portugal, João Manzarra é o exemplo mais mediático da influência de “Cowspiracy”. “Vi-o no dia 19 de novembro e fui confrontado com toda a sua informação no voo entre Amesterdão e Lisboa”, contou. “Quando terminou comprometi-me a não alimentar mais a criação de gado até surgir um contraditório convincente para os problemas expostos no filme, o que não aconteceu até hoje”.

Desde então que o apresentador se tornou vegano, ou seja, não consome nenhum produto de origem animal, seja carne, peixe, laticínios ou ovos. O adeus ao sushi foi difícil, mas a derradeira prova foi a venda da sociedade na Petisqueira Matateu, que abriu em 2013, no Estádio do Restelo. Terminou assim o confronto de consciência. Mas começou também o julgamento público. “Jamais esperei o tamanho do impacto que esta decisão pessoal causou. Recebi os maiores elogios e as maiores ofensas de toda a minha vida, as pessoas têm uma ligação emocional muito forte ou com os animais ou com o sabor deles”, disse.

O passo seguinte foi contactar os realizadores, no sentido de transmitir que o esforço e o trabalho colocados na realização da narrativa tinha atravessado o Atlântico até Portugal e que tinha “mudado consciências”. Rita Silva, presidente da ONG portuguesa ANIMAL, também já tinha mostrado interesse em exibir o filme em Portugal, por isso os realizadores puseram os dois em contacto e assim foi possível organizar os dois visionamentos em Lisboa.

“Enquanto profissional da área senti que o documentário estava muito bem conseguido, é inteligente e factual. Acho que eles são heróis”, disse ao Observador Rita Silva, que já conhecia Kip Andersen e Keegan Kuhn. Dedicada à causa animal há 11 anos e vegana há uma década, Rita Silva acreditou sempre que “Cowspiracy” teria uma boa adesão do público português, mas confessou que não imaginava que “fosse tão grande”. A visibilidade que João Manzarra tem dado nas redes sociais ajudou. “O facto de ele ter partilhado uma coisa que mexeu com ele, sem impor nada, fez com que as pessoas ficassem muito mais ligadas a isto. É importante que as pessoas vejam o filme pelo filme e que quaisquer mudanças que façam seja pelas razões certas”, defendeu.

Mudanças. Depois do visionamento, Rita Silva quer ver resultados e, para isso, organizou um debate, no qual os realizadores do filme, Kip Andersen e Keegan Kuhn, vão participar por videoconferência. “Que seja esclarecedor e imparcial, que se encontrem soluções e que se explique como agir localmente” são os frutos que João Manzarra espera que nasçam da conversa. No espaço do cinema vão estar também algumas bancas de comida “para desmistificar o que as pessoas têm como uma coisa complicadíssima, que é não comer animais”, adiantou.

Os bilhetes para a primeira sessão já esgotada custavam 6,50 euros cada. Para a sessão extra de dia 11 de janeiro, também às 11h00, custam 4 euros, valor menor que se justifica pela ausência de debate e de degustação de produtos de origem vegetal que vai ter lugar no dia 10. Todo o dinheiro dos bilhetes reverte a favor da causa: 25% da receita será entregue à Animals United Moviment Films & Media e 75% à ANIMAL.

Para quem não conseguir ir ao cinema, o documentário também pode ser visto no site oficial por menos de 10 dólares (cerca de 8 euros, à taxa de conversão atual).