O recado foi dado entre as dez respostas que concedeu por escrito à SIC: “afinal onde estão as famosas provas ou os fortes indícios dos crimes que me imputam?”, interroga José Sócrates. Suspeito de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, o ex-primeiro-ministro reiterou que os valores recebidos pelo seu amigo e empresário Santos Silva não passaram de um empréstimo numa fase mais complicada da sua vida, e que pretende pagar. Relativamente ao facto de poder levar uma vida em Paris acima das suas possibilidades, o ex-governante é perentório: chama-lhe “mesquinhez” e recusa-se a alimentar o que chama de “julgamento moral”.

“Quanto aos movimentos financeiros alegadamente suspeitos, já explique o essencial que havia a explicar: o engenheiro Carlos Santos Silva fez-me empréstimos que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime”, afirma.

Paralelamente aos “empréstimos” do amigo, que o Ministério Público suspeita serem pagamentos de valores recebidos por Sócrates enquanto primeiro-ministro e pagos através do empresário Santos Silva, Sócrates afirma ter vivido, também, com um empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos. Que já liquidou.

“O facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas”, diz.

Ou seja, Sócrates sabia que vingaria depois de terminar o mestrado em Paris. E o “estilo de vida” que outros (e refere o jornal “Correio da Manhã” como exemplo) dizem “dispendioso”, não passa de uma “campanha” que afirma ter sido erguida contra si.

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Aliás, Sócrates não poupa críticas a sistemáticas “violações do segredo de justiça” por parte do “Ministério Público”. Chama-lhe de “fugas seletivas” que já originaram um processo por violação de segredo de justiça. E diz que já pediu à procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, para ser ouvido em relação a isso. Lembra, também, que as escutas que têm vindo a público, entre elas com o diretor do Jornal de Notícias, Afonso Camões – que lhe deu conta de que estaria a ser investigado em maio do ano passado – são exemplos dessa “violação”.

O ex-governante, em prisão preventiva desde novembro de 2014, refere que as suas “intervenções sistemáticas” na comunicação social se devem a isso mesmo. “Face a reiterados crimes de violação do segredo de justiça, de teor sempre favorável ao Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício legítimo do direito de defesa de honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a defesa do arguido é em si “perturbadora”, critica.

O perigo de perturbação de inquérito foi um dos fundamentos usados pelo juiz de instrução Carlos Alexandre quando aplicou a prisão preventiva a Sócrates. É também o que defende no parecer enviado à Direção Geral dos Serviços Prisionais – que decidiu proibir o ex-primeiro-ministro de dar entrevistas. O Observador tentou contactar vários números fixos dos Serviços Prisionais, os telemóveis do diretor geral, Rui Sá Gomes, e de uma assessora, mas não obteve resposta à questão: afinal, Sócrates pode ou não dar entrevistas?

Há um outro fundamento para a prisão preventiva que Sócrates volta a criticar: o perigo de fuga baseado no facto de ter adiado a viagem de regresso a Lisboa, de Paris. Sócrates diz que adiou porque teve uma reunião de última hora com o advogado, que se deslocou a Paris para falar com ele. A viagem ocorreu depois de a PSP ter passado a casa do seu filho a pente fino.

“Depois das buscas (…) não era preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que havia um processo contra mim”, diz.

Recorde-se que, nos fundamentos enviados pelo juiz Carlos Alexandre ao Supremo Tribunal de Justiça, o perigo de fuga baseava-se, sim, numa viagem que Sócrates tinha para o Brasil – marcada para novembro ao serviço da Octapharma. E que o perigo de perturbação do inquérito se deveu ao facto de, no dia da sua detenção e no dia anterior, terem sido retirados “dispositivos informáticos” da sua casa. Este material terá sido devolvido já depois de, em interrogatório, o ex-governante ter sido confrontado com essa informação.

José Sócrates ajudou várias empresas a entrar em Angola

José Sócrates admite, ainda, ter telefonado para o vice-presidente angolano para que este recebesse os administradores do Grupo Lena. Fê-lo como fez com “outras empresas”, embora recuse ter favorecido esta ou as outras enquanto governante. “Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras”, explica José Sócrates quando confrontado se teria telefonado para Manuel Domingos Vicente em setembro de 2014.

“É verdade”, respondeu. E explicou que tal aconteceu na sequência de um almoço com o “amigo” Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena.

Na resposta anterior, Sócrates tinha deixado bem claro que só conhecera os administradores do Grupo Lena “no contexto de visitas de Estado” “uma meia dúzia de vezes sempre em encontros sociais” e que nunca lhe foi pedido “seja o que for”. O ex-primeiro-ministro sublinhou, ainda, que o projeto de construção de casas na Venezuela pelo Grupo Lena foi integrado num acordo entre Portugal e aquele país tal como aconteceu com muitas outras empresas. “Sem qualquer discriminação ou favorecimento”.