A Tranquilidade financiou a acionista, a Espírito Santo Financial Group (ESFG) com 50 milhões de euros, para a holding da família Espírito Santo sustentar a sua participação no aumento de capital do Banco Espírito Santo. Este foi a última operação de financiamento ao GES que, confirma o ex-presidente da seguradora, não passou pela comissão executiva porque foi um pedido urgente.

Brito e Cunha confirma a realização quatro operações de financiamento à ESFG e ESFIL, entre maio e junho de 2014, que não passaram pela comissão executiva “porque eram operações urgentes e temporárias”, disse esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do GES. “Tive de decidir na hora e sem consultar” a comissão executiva, mas os administradores souberam depois que as aplicações foram feitas. As operações foram autorizadas por dois administradores. Brito e Cunha admite que estes financiamentos violavam pontualmente os limites prudenciais, mas realça que estas seriam operações temporárias.

As operações não passaram pelo departamento financeiro da seguradora que fazia a avaliação de risco, porque eram “de outra natureza”, explicou Pedro Brito e Cunha. O gestor assume que foi uma decisão sua, feita para ajudar o Banco Espírito Santo, que era um parceiro muito importante. Recusar seria como se fosse “o mau da fita. Tinha todo o interesse em que isso acontecesse para o bem da companhia”.

Só no início de julho é que o presidente da Tranquilidade recusou uma proposta da ESFG para pagar um empréstimo de 15 milhões de euros com ações do grupo brasileiro Monteiro Aranha, depois de obter o “conforto” do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) para sustentar esta recusa. Por esta altura, o ISP já tinha dado instruções para as operações da seguradora com o acionista ficarem sujeitas a autorização prévia do regulador. A Tranquilidade informou em junho o supervisor sobre a exposição ao GES, altura em que admitiu que provavelmente o montante financiado não seria reembolsado.

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Pedro Brito e Cunha, justificou as operações de investimento no grupo, que ascenderam a um total de 150 milhões de euros, como uma resposta a um pedido de ajuda do acionista. “Quando o acionista pede ajuda, é óbvio que a intenção da companhia é ajudar. Já tinha acontecido no passado e nunca houve problema”. Estes pedidos vieram todos de Ricardo Salgado, então presidente do BES.

As operações incluem um empréstimo de 15 milhões à Espírito Santo Financial Portugal concedido em abril. A 8 de maio houve duas subscrições de papel comercial da Esfil no valor global de de 85 milhões de euros e com garantia da ESFG, que era a dona da Tranquilidade. Em junho, foi subscrito papel comercial da ESFG no valor de 50 milhões de euros. Estas operações tinham um prazo de um mês.

Pedido de ajuda justificados com necessidade de liquidez do GES

O então presidente executivo, Brito e Cunha, autorizou as quatro operações de financiamento com “total confiança” no acionista, o que do seu ponto de vista demonstra o desconhecimento que tinha da real situação financeira do Grupo Espírito Santo. “Não havia razão nenhuma para duvidar do acionista principal”. Os pedidos de financiamento terão sido justificados com a necessidade de liquidez do grupo. Brito e Cunha lembra que à data, estava em curso o plano de recapitalização da área não financeira do GES. E acrescenta que é difícil recusar um pedido do acionista. Não eram ordens, acrescenta, havia explicações do acionista.

O gestor, que foi presidente da Tranquilidade desde 2002 e que hoje está reformado, reconhece que estas operações de financiamento não eram frequentes, mas sublinha que na altura não havia razão para nenhuma para pensar que haveria default. “Quando concordei fi-lo na ótica de que não haveria problema nenhum. O acionista estava a pedir ajuda e era bem remunerado”. A taxa rondaria os 2,5%.

Tranquilidade sem o BES valeria sempre menos

Brito e Cunha revela que a Tranquilidade já tinha emprestado 100 milhões de euros à ESFG em fevereiro e que esse montante foi pago em março. Para o gestor, a ligação ao grupo era um aspeto muito importante para a companhia, afinal o BES era responsável por 30% das vendas da Tranquilidade.

Numa análise a posteriori considera que não se deve comparar a avaliação de 700 milhões de euros, feita pelo acionista (BESI), numa perspetiva de desenvolvimento de longo prazo e tendo como base uma relação comercial sólida com o BES que já não existia quando a seguradora foi vendida à Apollo por 215 milhões de euros.

Brito e Cunha confirma que foi consultado sobre o penhor das ações da Tranquilidade pela ESFG a favor do BES, que aliás assinou, na perspetiva de que era temporário e que seria mais uma ajuda ao grupo. Este penhor foi entregue pela ESFG como garantia para o reembolso do papel comercial do GES subscrito pelos clientes de retalho aos balcões do BES. Ainda hoje, confirmou esta semana o presidente do Novo Banco, Stock da Cunha, estas aplicações estão por resolver.

“O meu objetivo foi sempre o de salvar a companhia” e de salvaguardar os postos de trabalho, justifica o ex-presidente que enaltece a atuação do ISP e do seu presidente neste processo e na salvaguarda da Tranquilidade. Acrescenta que nunca foi posta em causa a sua idoneidade.

O supervisor afastou um administrador do BES Vida por ter realizado investimentos no GES à revelia do ISP. Brito e Cunha assegura que não foi afastado do cargo após a venda, mas que a opção de ir para a reforma, após 25 anos de seguros, foi sua.