O BESA (Banco Espírito Santo Angola) enviou para o BES em Lisboa um relatório com informação detalhada sobre os créditos concedidos pelo banco angolano e o nível de cobertura por parte de garantias.

Segundo João Moita, ex-responsável pela gestão de risco do BESA, este documento foi enviado no final de 2011 na sequência de uma inspeção da Troika ao BES. O relatório revelava que apenas 59% do crédito concedido tinha garantia. No entanto, entre os créditos com garantia, 70% tinham apenas contratos de promessa de hipoteca e não hipotecas efetivas.

Esta situação prende-se com as dificuldades de provar a propriedade em Angola, explica. Existe um problema que dificulta a legalização das garantias e assume que esse risco foi corrido pelo BESA.

João Moita realça ainda que em Portugal havia também muito crédito sem garantias, uma realidade que foi sendo conhecida e corrigida durante a intervenção da troika.

O gestor, que está a ser ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, sublinha que o relatório sobre a situação do crédito concedido em Angola foi do conhecimento de Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Joaquim Goes. Os três ex-administradores do BES manifestaram na comissão de inquérito surpresa pelo descontrolo da situação financeira do BESA.

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João Moita, que hoje trabalha no banco angolano com Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA, diz que este relatório nunca foi discutido no conselho de administração, nem suscitou perguntas do BES Assinala que depois do relatório ser entregue em Lisboa, o volume de crédito concedido em Angola cresceu e o financiamento do BES ao BESA também. Do crédito à participada angolana que ultrapassou três mil milhões de euros, uma parte substancial, mil milhões correspondiam a juros que não foram pagos pelo banco angolano à casa-mãe.

No relatório enviado a Lisboa em dezembro de 2011, e que terá sido do conhecimento do Banco de Portugal, foi ainda feita uma estimativa para as necessidades de provisões no futuro face ao à evolução do nível de incumprimento. As provisões teriam de subir de 96 milhões de dólares em 2011 para 400 milhões em 2014 e 700 milhões de dólares em 2015. Havia também uma noção dos problemas de liquidez do BESA.

Garantia de Angola é incentivo para clientes não pagarem

No final de 2012 as provisões para o malparado atingiram 273 milhões de dólares. Um ano depois, o Luanda dá uma garantia que cobre o risco de créditos do BESA de 5700 milhões de euros. João Moita não conhece as circunstâncias da garantia, deixou o BESA em Julho de 2013. Mas salienta: a concessão da garantia de Estado é um incentivo ao banco para não recuperar o crédito e um incentivo aos clientes para não reembolsarem o empréstimo.

A substituição de Álvaro Sobrinho foi um “folhetim que demorou muito tempo”. João Moita desconhece as razões por trás da saída do presidente do BESA, em novembro de 2013, mas estranha a demora.

João Moita nega ainda ter autorizado sozinho emprestimos de 500 milhões de dólares, conforme aparece descrito na ata da assembleia geral do BESA de outubro de 2013. Assegura que as operações eram aprovadas por três pessoas do conselho de crédito do BESA. Sobre levantamentos em numerário, João Moita assinala que havia limitações a 10 ou 20 mil dólares, além de que o BESA não teria recursos em numerário para entregas de milhões de dólares a clientes.

Garante ainda que 90% dos mutuários dos créditos concedidos pelo BESA estavam identificados e qualifica de absurdo indicação de que 80% do crédito concedido não tem beneficiários identificados. O BES em Lisboa, enquanto banco correspondente do BESA, sabia quem recebia as transferências quando estas eram feitas em moeda estrangeira (não angolana), adianta João Moita. O dinheiro não voou, conclui.

Alguém tentou recuperar os 5700 milhões de dólares?

Daí que saber quem eram os clientes ser “uma falsa questão”, considera o ex-responsável do BESA. O que será importante perceber é se está a ser feita alguma coisa para recuperar o dinheiro. Quando confrontado com operações e clientes concretos, João Moita não responde por causa do sigilo bancário angolano. O gestor lembrou no início da audição que tem nacionalidade angolana e que irá voltar ao país dentro de dias.

João Moita é presidente de um banco em Angola do qual Sobrinho é acionista. Nega que o ex-presidente do BESA tenha sido afastado da liderança da instituição pelo supervisor angolano devido a problemas de idoneidade. O gestor acompanhou o ex-presidente do BESA na sua audição na comissão de inquérito em 2014.

No início da sua audição, João Moita lembra que Angola e o BESA só respondem por um terço das situações que levaram ao colapso do BES.