PS de um lado, a extrema-esquerda e a direita do outro. O debate sobre as propostas sobre enriquecimento injustificado que todos os partidos entregaram na Assembleia e que esta sexta-feira estiveram em discussão foi assim.

O deputado do PS, Jorge Lacão, criticou algumas normas dos projetos dos restantes partidos, considerando que se trata de “radicalismos” ou “instrumentalização do direito penal para meros fins populistas”. Referia-se ao confisco de bens, por exemplo, ou à exigência em relação aos titulares de cargos políticos que é maior do que em relação aos restantes cidadãos. Lacão considerou mesmo “um atentado à democracia” poder-se no futuro fazer escutas ou ações infiltradas e quebrar o sigilo bancário por causa de “indiciada desconformidade de rendimentos e bens”.

Estas críticas destinavam-se aos projetos do PSD mas também do BE e do PCP, que preveem esse confisco e normas diferentes para políticos.

O PSD, por seu lado, pela voz de Teresa Leal Coelho, elogiou os projetos do BE e do PCP, declarando estar disponível para acolher, contudo, todos os contributos. Em 2012, o Tribunal Constitucional chumbou o projeto de lei da maioria que aprovara o crime de enriquecimento ilícito por considerar que fazia a inversão do ónus da prova (o contribuinte é que tinha que provar que não adquirira bens de forma ilegítima e não o Ministério Público) e que criminalizava um bem jurídico de uma forma que não podia ser feita.

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O PSD, que agora voltou a entregar novo projeto em conjunto com o CDS, modificou o texto original e enveredou por um caminho de colocar a administração tributária a investigar as discrepâncias entre rendimentos e património. Para PCP e BE, é pouco. O PCP considerou que o PSD e CDS estão apenas a “agravar” os deveres já existentes relativamente às declarações de IRS e insistiu na necessidade de “extinção” dos offshores.

O CDS, que foi sempre mais cauteloso nestas matérias, quis deixar claro que “determinadas situações, comportamentos existentes na sociedade portuguesa e que chocam a sociedade portuguesa têm que ter uma condenação clara e inequívoca” mas que não se pode “aceitar a ideia de que a criação de riqueza é crime”. “Muito menos temos ódio ou preconceito em relação aqueles que criam riqueza de forma legítima”, acrescentou.

O PS, numa intervenção inicial longa de 19 minutos que lhe retirou quase todo o tempo para participar no debate, lamentou, porém, os anos que se “perderam, por pura teimosia, de resposta consistente no aperfeiçoamento do regime de responsabilidade e de controlo das declarações de rendimentos e património e no tratamento de eventuais acréscimos patrimoniais não justificados”, referindo-se ao chumbo do TC, para o quais socialistas sempre alertaram ao longo da anterior discussão do enriquecimento ilícito. O PS considerou que os restantes partidos estavam a ir longe demais é que iriam esbarrar na norma constitucional – o que veio a acontecer.

O debate decorreu numa altura em que ainda estão frescas as palavras de Passos Coelho de que nunca usou o cargo para enriquecer e que provocou uma reação de José Sócrates a partir da prisão de Évora, onde está detido por suspeitas de corrupção, mas ninguém fez qualquer referência a esta discussão. Se o enriquecimento ilícito tivesse entrado em vigor em 2012, tal aplicar-se-ia a este caso de José Sócrates.

Todos os projetos de lei foram viabilizados por todos os partidos na votação que se seguiu, de forma a baixarem à Comissão de Assuntos Constitucionais e aí ser negociada a solução final.