Sexta-feira de manhã, se as condições atmosféricas o permitirem, haverá muitos curiosos de olhos postos no céu para ver o eclipse do Sol. Mas oftalmologistas e astrónomos recomendam prudência porque a observação direta do Sol pode provocar lesões graves na retina – membrana interna do olho. O Observador reuniu algumas recomendações e locais para observação acompanhada.
“Este tipo de lesão é indolor e pode levar horas ou dias a manifestar-se”, diz ao Observador Maria João Quadrado, presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia. “Mas bastam alguns segundos para surgirem danos permanentes.” Não que o Sol em dia de eclipse faça pior do que nos outros dias, as pessoas é que passam mais tempo a olhar para ele.
Se já se preparou com óculos ou vidros escuros, radiografias ou negativos de fotografias, CDs ou disquetes, o melhor é deixar essas ideias de lado. Embora possam eliminar parte da luminosidade ambiente não impedem as radiações solares de atingirem os olhos, mais especificamente a retina, explica ao Observador Nuno Santos, responsável pelas atividades de astronomia no Centro Ciência Viva de Estremoz.
Pior ainda se tentar observar o eclipse diretamente com binóculos, telescópios ou câmaras sem proteção. As lentes concentram a radiação solar num feixe e “a queimadura na retina é mais grave e mais rápida”, refere Maria João Quadrado. Já alguma vez viu atear uma fogueira usando um vidro ou uma lupa? Agora imagine o efeito na parte mais sensível do seu olho.
Quando se olha diretamente para o Sol sem proteção, os raios solares atingem o centro da retina, numa região chamada de mácula. Uma lesão nesta região sensível pode destruir a visão central, explica a médica. A visão periférica mantém-se, mas não é possível ver aquilo que está diretamente em linha com os olhos. Ao tentar ler este texto veria a parte central distorcida ou com uma mancha negra.
Como se pode ver um eclipse solar?
As expectativas para sexta-feira são grandes. Afinal, o último grande eclipse em Portugal foi há 10 anos e o próximo, quase total em algumas zonas do país, será só em 2026, segundo João Vieira, diretor do Observatório Astronómico de Gualtar da Sociedade Científica de Astronomia do Minho. Em 2021 e 2025 vão ocorrer dois eclipses solares, mas muito menos expressivos.
Porém, as únicas formas para observação direta do Sol é usando óculos com lentes próprias ou telescópios com filtros adequados. “Mesmo assim não se deve fixar o Sol por mais do que 20 segundos e deve fazer-se intervalos de três minutos entre as observações”, recomenda Maria João Quadrado. “O efeito da radiação solar na retina é cumulativo.” Também se podem usar vidros de soldador desde que sejam número 12 ou 14, recomenda Máximo Ferreira, coordenador científico do Centro Ciência Viva de Constância.
Os óculos e filtros adequados só poderão ser encontrados em lojas especializadas de astronomia, mas mesmo assim o Observatório Astronómico de Santana, nos Açores, deixa um alerta: os óculos não podem estar minimamente riscados e não devem ser reutilizados óculos antigos. Para precaver esta situação, o observatório construiu óculos que estão à venda no espaço.
No entanto qualquer pessoa pode usar métodos alternativos para ver o eclipse. Um furo numa folha ou uma lente de telescópio que projetem os raios de Sol numa superfície clara permitem ver um círculo de luz que gradualmente será sobreposto por um círculo mais escuro. O mesmo efeito pode ser conseguido com a luz que passa entre as folhas de uma árvore ou entre os dedos cruzados.
Onde se pode ver o eclipse?
Com o eclipse a começar perto das 8 horas em Portugal Continental e Madeira (7 horas nos Açores), muitas pessoas encontram-se nos locais de trabalho, incluindo alguns dos astrónomos que acompanharão as atividades previstas. O Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, vai levar grande parte do equipamento que tem para a Faculdade de Ciências no Campo Grande, explica ao Observador Rui Agostinho, diretor do OAL. Mesmo assim ficam dois telescópios no OAL para quem preferir deslocar-se à Tapada da Ajuda.
Também o Observatório Astronómico de Gualtar, em Braga, se vai deslocar à Escola Secundária D. Maria II num evento desenhado não só para a comunidade escolar, mas também para o público em geral. Outros espaços a explorar são os planetários e outros centros de astronomia, os Centros de Ciência Viva ou os museus de ciência.
No mapa pode encontrar 12 locais onde decorrerão atividades. O mapa é interativo. Aproxime para ver outros locais, como três espaços de observação em Lisboa e dois em Faro. Consulte outros locais (aqui).
O que é um eclipse solar?
A Lua gira à volta da Terra e a Terra à volta do Sol. Ocasionalmente, a Lua mete-se entre o Sol e a Terra e impede os raios solares de chegarem à Terra, pelo menos a uma parte dela. Parece estranho como é que o Sol fica tapado por outro astro que tem um diâmetro 400 vezes mais pequeno, mas isso justifica-se porque a Lua está 400 vezes mais próxima da Terra. Por momentos temos a ilusão que são do mesmo tamanho.
A Lua Nova é requisito essencial para um eclipse solar acontecer, mas o facto de só terá passado um dia desde o perigeu – o dia em que a Lua está mais perto da Terra – também ajuda a que este eclipse seja tão notável. Ainda assim a Lua é pequena e o eclipse total só é visível muito a norte, nas Ilhas Faroé e pouco mais. Esta zona de sombreamento total chama-se umbra, e onde a sombra é parcial, como acontece na maior parte da Europa e em Portugal, toma o nome de penumbra. O eclipse, mesmo que parcial, só será visível na Europa, norte de África e parte da Ásia, mas para isso é preciso que esteja bom tempo.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê que sexta-feira de manhã tenha períodos de aguaceiros dispersos pelo país, mas não se prevê que haja nevoeiro. Espera-se que os períodos de aberta permitam ainda assim observar o eclipse. Com este ambiente molhado e muito pouco soalheiro se dá as boas vindas à primavera, que começa oficialmente às 22h45. Este é o momento em que o Sol, no seu movimento anual aparente, passa no equador celeste – nascendo exatamente a este e pondo-se exatamente a oeste -, num fenómeno chamado equinócio de primavera.
Este evento astronómico, que tanta curiosidade desperta, também já provocou algum alarmismo na Europa. A Rede Europeia de Operadores de Transporte de Eletricidade (ENTSOE, na sigla em inglês) receia que as cerca de quatro horas em que o Sol não alimentará os painéis solares com a potência máxima possam ter efeito na produção de energia solar. Mas António Sá da Costa, presidente da Associação de Energias Renováveis (Apren), diz que o eclipse não terá um impacto maior do que um dia de nevoeiro cerrado.
Texto: Vera Novais
Design: Andreia Reisinho Costa