O estacionamento do Centro Português tem vários pisos, parece quase um parque de um hipermercado, mas mesmo assim está cheio. Porque é sábado, um dos dias fortes deste autêntico refúgio para uma comunidade assustada, preocupada, a esperar por melhores dias.

É verdade que a maioria dos portugueses que frequentam o clube (têm de ser sócios, ou então convidados por sócios) está bem instalada na sociedade venezuelana. A maior parte das pessoas que ali encontramos são empresários de sucesso, chegaram à Venezuela há algumas décadas e, à custa de muito trabalho e muito sacrifício, conseguiram um nível de vida e poupanças suficientes para viverem o resto dos seus dias com alguma tranquilidade.

Mas a vida não é só dinheiro, e o que se sente depois de se conversar com alguns dos portugueses, é alguma amargura. É comum ouvir-se que não são apenas portugueses, são também venezuelanos. Nasceram em Portugal, mas fizeram toda a sua vida na Venezuela. Um coração partido ao meio, indeciso: Portugal vive uma crise profunda, a Venezuela está em sobressalto.

Entre um país e outro, a maioria prefere ficar.

A insegurança é a maior das contrariedades. Não se fala com um único português que não conheça um caso de terror que tenha acontecido com alguém que lhe é próximo.

O presidente do Centro Português, Gil Andrade, conta à Lusa um caso mesmo muito recente, da semana anterior. Um primo que foi sequestrado num dos muito conhecidos e temidos “sequestro express”, durou 24 horas. Pagaram o resgate e o primo voltou a casa.

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A Polícia não aconselha esta prática, alegando que incentiva a mais sequestros, mas quando se faz este comentário com alguém que teve por perto um caso de sequestro, o tom de voz levanta-se: “Ah, pois é? É bom dizer isso em relação aos outros, se lhe for uma pessoa querida você vai arriscar a sua vida?”

“As pessoas vêm aqui, contam as suas experiências, sentem aqui o refúgio que noutras partes não têm, temos sido cada vez mais frequentados pelos sócios”, explica Gil Andrade enquanto mostra as fabulosas instalações num morro da cidade.

No Centro Português encontra-se de tudo o que é necessário para se passar um dia em tranquilidade e conforto: piscinas, salas de jogos, equipamentos desportivos, biblioteca, sala de exposições, ‘bowling’, restaurantes, bares, etc.

Um autêntico oásis na cidade. “Conhece algum sítio em Caracas em que você se sinta à vontade para deixar os seus filhos assim descontraídos a correr e a brincar por todo o lado”, pergunta.

Junto às piscinas encontramos um grupo de jovens venezuelanas. Duas são lusodescendentes, as outras duas são originais de França.

Estão a sentir-se desesperadas com a situação na Venezuela. A insegurança, a falta de liberdade de pensamento, uma imprensa controlada, a polarização política, “parece que têm de ser todos inimigos, e não é assim, podemos ter opiniões diferentes sem sermos inimigos”, desabafa Jackeline.

Todas as quatro têm o privilégio de ter emprego mas dizem-se com vontade de emigrar. Para Portugal é que não, obviamente, mas falam de vários países na região e até, quem sabe, para os Estados Unidos.

Gil Andrade afirma que apesar da situação difícil que vive agora em Caracas, vai ficar porque tem muita esperança que as coisas vão melhorar. “Todos os países têm os momentos mais difíceis, temos a esperança de que isto vai mudar e para melhor”.

Entre os dois amores, a maioria dos lusodescendentes fica com a sua apaixonada Venezuela e em Caracas que tem o melhor clima do mundo, apontada como uma das mais perigosas do planeta.

Por João Pedro Fonseca (texto) e Paulo Cunha (fotos