O Parlamento francês vai votar uma proposta para eliminar o período de reflexão vinculativo de uma semana previsto na lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG), entre a decisão da mulher e a intervenção médica.

Defesa necessária do direito à IVG? Ou uma lamentável banalização do aborto? O tema fraturante volta ao aquecer o Parlamento francês 40 anos depois da aprovação da atual legislação, a chamada lei Veil (por referência a Simone Veil que era ministra da Saúde do governo que legalizou o aborto em 1975). Foi a ministra do partido gaulista (centro direita) que defendeu o período de reflexão, também conhecido como cláusula de consciência, para que as mulheres tomem consciência de que o aborto não é um ato banal.

Para a delegação dos direitos das mulheres na Assembleia Nacional, a alteração proposta à Lei da Saúde permitirá eliminar uma disposição legal que funciona como um meio de dissuasão e que estigmatiza o aborto como um ato médico à parte. O fim desta reflexão imposta é reclamado há muito por movimentos feministas que qualificam de “punição”, “humilhação” e “tortura”, mas é combatido por forças mais conservadoras, designadamente ligadas à igreja e que temem que a alteração coloque em causa o equilíbrio da lei Veil.

Do outro lado, defende-se que a reflexão vinculativa dá a oportunidade às mulheres de analisarem os fundamentos da sua decisão para avaliarem se é sua ou se está a ser condicionada por terceiros. Em entrevista ao jornal Le Figaro, Sophie Marinopoulos, psicóloga clínica e especialista no tema, considera que a proposta para eliminar a semana de reflexão pode dar a impressão de que o aborto é um “ato banal”, retomando argumentos usados na discussão da lei Veil. Esta especialista, que trabalhou 25 anos num centro de planeamento familiar, sublinha que se trata de evitar a tomada de uma decisão que não seja da própria, mas sim influenciada por pressões exteriores.

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Já o jornal francês Le Monde promoveu um inquérito online junto de 70 mulheres que passaram pela experiência de ter de esperar uma semana pela intervenção. A maioria mostrou-se favorável à supressão da reflexão obrigatória, embora a publicação reconheça que o resultado não tem valor representativo.

Iniciativa de cidadãos relança debate em Portugal

Em Portugal, a discussão sobre a lei do aborto também voltará ao Parlamento por iniciativa de um grupo de cidadãos. A associação “Pelo Direito a Nascer” entregou em fevereiro uma iniciativa legislativa, apoiada por mais de 48 mil assinaturas. O documento defende a aplicação de taxas moderadoras a quem recorrer ao Serviço Nacional de Saúde para fazer uma interrupção voluntária da gravidez, no quadro da lei. A atribuição de maior poder de decisão aos pais, é outro dos objetivos da proposta que terá de ser debatida no Parlamento. Os promotores confiam que podem vir a ter o apoio dos partidos da maioria.

A mudança da lei de aborto também agitou a política espanhola no ano passado. A proposta radical do executivo de Mariano Rajoy restringia seriamente a interrupção voluntária, limitando a sua prática aos casos em que os médicos confirmassem a existência de risco para a saúde da mãe ou de violação denunciada à polícia. De fora ficavam situações como a má formação do feto. Estas alterações foram fortemente atacadas em Espanha, dentro do próprio partido do governo, e levaram milhares de espanhóis às ruas em protesto contra o recuo na lei aprovada em 2010 pelo ministro socialista, Luís Zapatero. Perante a contestação, Rajoy foi obrigado a recuar e deixar cair a lei.