A candidatura cidadã Livre/Tempo de Avançar vai criar uma “mesa redonda” com todas as forças políticas anti-austeridade, com o objetivo de criar uma “carta de compromissos” que servirá, depois, como guião de uma futura maioria parlamentar de esquerda. E o convite é extensível ao Partido Socialista, como garantiu Rui Tavares ao Observador, mesmo com a difícil questão da renegociação da dívida no centro do debate.

No comunicado divulgado no último domingo o mote era claro: a candidatura cidadã definia como essencial que o entendimento não esperasse “pelo dia seguinte às eleições”, já que os portugueses tinham “o direito de saber ao que vêm no dia em que são chamados a votar”. E elegia como as grandes áreas de intervenção o reforço da confiança entre a classe política e o eleitorado, a proteção dos desempregados, a valorização do trabalho, a questão do endividamento privado, a separação entre política e negócios e, claro, a renegociação da dívida pública – a medida definida, desde o início, como “a” prioridade do Livre e, depois, da candidatura cidadã.

Se a necessidade da renegociação da dívida pública parece reunir consenso entre a esquerda mais à esquerda do espetro político português, a posição do Partido Socialista nesta matéria ainda não é clara – na última entrevista que deu ao Público, António Costa rejeitou que “a renegociação da dívida fosse a única e a necessária solução”. Um fator que poderá colocar alguma areia na engrenagem da plataforma de entendimentos que a candidatura cidadã quer criar. Isto numa altura em que o Livre/Tempo de Avançar é frequentemente apontado como o parceiro de coligação preferencial de Costa, caso não vença as eleições com maioria absoluta.

Uma diferença de visões que, a verificar-se, é para já desvalorizada por Rui Tavares. “A dívida pública tem um peso muito grande na estratégia do país, na capacidade de investimento e no garante da proteção social e, portanto, é um problema que tem de ser enfrentado. Mas nós achamos que devemos deixar espaço para haver um debate. E não podemos abrir esse espaço para depois o fechar de seguida. A ‘Agenda Inadiável’ é extensível a todos os partidos e movimentos contra a austeridade, porque nós procurámos encontrar compromissos e esses compromissos devem estar em aberto”, insistiu.

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Uma posição, de resto, partilhada por Daniel Oliveira, que, depois de ajudar a criar o Manifesto 3D, se juntou ao Livre na coligação Tempo de Avançar. Ao Observador, o ex-bloquista começou por garantir que a plataforma de entendimento “não exclui o Partido Socialista”. “Nós apelámos a todos os partidos da oposição que defendem o fim da austeridade como modelo de governação. Esta iniciativa não tem como objetivo excluir ninguém, mas sim ver se há questões em que estamos de acordo” e, a partir daí, construir pontes.

No fundo, tal como defendeu, de resto, Rui Tavares, a “Agenda Inadiável”, que não é mais do que um “apelo ao bom senso”, pretende conduzir a uma “clarificação política” e encontrar pontos comuns e “compromissos” entre os vários partidos da oposição, para que os “portugueses possam saber com o que contar quando forem votar”, reforçou Daniel Oliveira.

Ainda assim, esta semana poderá ajudar a aproximar potenciais parceiros – ou a afastá-los definitivamente. O PS deverá divulgar na quarta-feira o estudo feito pelos 12 economistas a quem António Costa pediu que ajudassem desenhar “o quadro macroeconómico” que “balizará” o novo “programa do Governo” socialista.

Paralelamente, também durante esta semana, o Programa de Estabilidade e Crescimento deverá ser aprovado em Conselho de Ministros. Isto já depois de Maria Luís Albuquerque receber os vários líderes partidários para discutir o Programa Nacional de Reformas e tentar encontrar compromissos. Ora, tal sucessão de debates poderá acentuar ainda mais as diferenças entre o Executivo liderado por Pedro Passos Coelho e a oposição, pelo que a iniciativa do Livre/Tempo de Avançar pode ter aqui terreno fértil para crescer.

Entre as coincidências de agendas, há ainda outra a ter em conta: a comissão coordenadora da candidatura Livre/Tempo de Avançar vai reunir na terça-feira com o objetivo de afinar a estratégia traçada para as próximas legislativas e iniciar as conversações com os partidos e movimentos que defendem o fim da austeridade. No entanto, Rui Tavares fez questão de explicar que esta eventual plataforma de entendimento “não se trata uma coligação pré-eleitoral”, ou, sequer, de uma promessa de “coligação pós-eleitoral”. “Nós vamos concorrer sozinhos às eleições”, esclareceu o historiador.

“Acreditamos que há um eleitorado que se vê e que se quer ver representado pela nossa alternativa. Agora, o que nós nunca desistimos foi de encontrar respostas comuns para os problemas que não podem ficar sem respostas, nunca entrando na esfera própria dos partidos”. Concretamente, o que Rui Tavares e o Livre/Tempo de Avançar pretendem com esta iniciativa “inédita” é encontrar “denominadores comuns para governar contra a austeridade no novo ciclo político” que se avizinha.

Um novo ciclo político que, acredita Rui Tavares, trará uma “nova maioria parlamentar” de esquerda, sustentada por um documento conjunto. Ou um “pacto de regime”, termo que o ex-bloquista não enjeita, que esteja claramente “documentado” e que permita que os portugueses saibam com clareza que rumo vai seguir a “futura maioria parlamentar”. Soluções pensadas e acordadas previamente “sem estarem presas às estratégias partidárias”, defendeu o historiador.