Artur Baptista da Silva está há dois anos e quatro meses em silêncio, mas dificilmente alguém não se lembrará dele. Apresentava-se como “coordenador do programa para o desenvolvimento da ONU”, levava um cartão em inglês, com letras grandes onde se podia ler United Nations Development Programme – com um número de telemóvel e um endereço gmail, para quem o quisesse contactar. Foi convidado para uma conferência no Grémio Literário, depois deu uma entrevista ao Expresso e foi até convidado a ir à televisão. O título da entrevista no jornal era sonante: “Se Portugal não negociar já, irá fazê-lo daqui a seis meses de joelhos”.

Dois anos depois, o que diz Baptista da Silva sobre o estado do país? “De tudo o que afirmei, tudo se confirmou”, afirmou ao Observador, numa conversa telefónica esta terça-feira. “O memorando não acabou nada”, acrescenta.

Recuemos ao final de dezembro de 2012. E ao que dizia o “coordenador” da ONU sobre o estado do país, então em pleno resgate financeiro.

“As Nações Unidas estão muito preocupadas porque a Europa funciona como uma divisória entre o Norte de África e o Médio Oriente. Até agora tem sido uma zona de perfeita estabilidade social e de paz. Neste momento o que as Nações Unidas preveem é que, no curto prazo, haja uma implosão social forte. As autoridades europeias reagiram à crise com austeridade. Isto é um paradigma que só pode levar ao empobrecimento. É este paradigma que tem que ser mudado rapidamente – e é por isso que as Nações Unidas resolveram intervir, através de um diagnóstico para o sul da Europa, dizendo que por aqui não há solução.”

Tudo isto foi dito numa entrevista que nunca foi para o ar. Foi feita pela TVI, depois de Baptista da Silva ter apresentado um estudo, feito por ele e mais seis “economistas da ONU” sobre os “efeitos da austeridade nos países do sul da Europa”. Mas acabou no arquivo da televisão quando apareceram dúvidas sobre o seu currículo.

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Artur, hoje: Portugal, a Europa e a Grécia

A tese de Baptista da Silva sobre a condução europeia da crise está hoje como estava em 2012. Na altura, quando esteve no estúdio do Expresso da Meia-Noite, apresentava-a assim: “Pensámos em Nova Iorque (sede na ONU): é a primeira vez que se combate uma recessão aumentando os impostos e cortando os rendimentos. A única vez que vimos isso foi há 30 anos na América do Sul e há 20 na Ásia. O que aconteceu é evidente – é uma cópia do que aconteceu nesses países.”

Na época, explicava que a Alemanha tinha enganado a Comissão Europeia e os países da UE, salvando um banco seu com dinheiros europeus a baixíssimo preço. Agora, diz assim: “Há um Estado que agiota os outros e o resto da Europa desde a formação do euro”. Quem? A Alemanha, claro.

Hoje, aos olhos de Artur Baptista da Silva, Portugal está igual ao que era nessa altura. “O país não se autonomizou, continua acorrentado aos pró-nazis financeiros. Dizem que o Portugal até aforra dinheiro. Eu quando ouvi e percebi que nenhum jornal desmentiu estive quase para ir ao sindicato dos jornalistas pedir dinheiro, para investir com dinheiro dos outros. E depois ficava com o lucro e eles com o crédito. É o que a Alemanha está a fazer. Não acha que é um bom negócio? Comprar dívida a migalhas e vender com 3% de lucros?”

E daí a conversa segue para a Grécia e para as negociações que correm com os ministros das Finanças da zona euro. “Só apareceu um governo grego – com ministros de pseudo esquerda, a fazer contas”. Porquê ‘pseudo esquerda?’ – perguntou o Observador. “Porque colam logo libelos às pessoas: é um criminoso, um burlão, de extrema-esquerda, diminuem sempre as pessoas”.

“O ministro das Finanças da Grécia (Yanis Varoufakis), que conheço muito bem, é um moderado, muito inteligente, um técnico de finanças públicas do melhor que há no mundo. É um génio. E viu o que lhe fizeram? Só se interessam com a foto dele a almoçar com a família, para o desacreditar e negociar com ele de forma desigual. É como se estivesse a negociar com parceiros que dizem: ‘se não fazes, vais ter que pagar daqui a três semanas’. Como encostar uma espada no seu corpo e dizer: ‘agora vais negociar'”.

A culpa da Europa – e a proposta de renegociar a dívida 

E é aqui que Baptista da Silva volta à tese que expandiu, com grande impacto público, na televisão.

“Há uma guerra económica e financeira que a Alemanha faz desde há 20 anos. Quando entrámos no euro, era como uma corrida de ciclismo. É evidente que chegámos à meta com 20 anos de atraso. Mas isso não tem nada a ver com o povo português, com o que come e o que faz. Tem a ver com o que nos impuseram e os que nos têm governado o terem aceite a comer e calar. Como o sr. Aníbal. Como o sr. Medina Carreira, que foi o pior ministro das Finanças de sempre e ainda ontem na TVI estava a dizer como se deve fazer”, sentencia Baptista da Silva.

E agora, o que defende que o país possa fazer? “Como se faz? Rebobinando! Afinal como se chegou aqui? Ou foram os governantes gregos que sozinhos enganaram os gregos? Não, foi com a conivência da UE. Os governantes foram desonestos porque estavam sem saber como fazer – e tiveram as autoridades europeias a aconselhar. Como o outro sr., o coitado que está em Évora como preso 44, que foi aconselhado e disse: ‘Invista! É preciso que a economia não pare de crescer. Agora ninguém vai ligar ao défice durante três anos. E depois veja o que lhe fizeram'”.

No Expresso da Meia-Noite, era também assim que lia o que aconteceu ao Governo de José Sócrates, nos anos entre a crise financeira de 2008 e o resgate financeiro: “Era Bruxelas que dizia ‘este projeto é prioritário e é indispensável ao crescimento sustentado da economia’. Portugal dizia que já tinha um endividamento alto. E foram as autoridades europeias que disseram: ‘Existem sindicatos bancários que podem importar estes capitais, dando como garantia os fundos estruturais que estão concedidos por aprovação dos projetos. Este caminho é da responsabilidade das autoridades europeias. Porque estes países precisavam de crescer desesperadamente.”

Em 2012, a ideia de Baptista da Silva era, então, aproveitar a negociação que estava em curso com a Grécia de um perdão parcial da dívida, para forçar uma negociação com Portugal e melhorar as condições do país. Tudo isto tinha sido já “apresentado” pela ONU às instituições europeias, ao Governo e aos parceiros sociais. E com uma proposta concreta: uma renegociação com a Europa da dívida pública, sobretudo daquela dívida que dizia “imputada ao cofinanciamento nacional de projetos comunitários” e que garantia ascender a 41% da dívida.

“Vamos separar estes 41% da dívida e as autoridades têm que a tratar de forma diferente: ‘Estas foram verbas que foram para cumprir o vosso programa, não o nosso. Separamos essa parte da dívida, financiamo-la a dez anos. E permitir que o BCE financie, apenas durante o período de assistência, refinanciando aquela dívida. Só isso ultrapassaria os seis mil milhões de euros'”.

Mas, um dia depois, o mediatismo de Artur Baptista da Silva virou do avesso. Começaram a sair notícias a pôr em causa a sua credibilidade. Chegou até uma resposta da ONU: “De acordo com a nossa pesquisa interna, podemos informar que nem o senhor Artur Baptista da Silva é um empregado do PNUD, nem nós estamos a par de nenhum estudo dessa natureza produzido pelo PNUD”.

O homem que dizia ter sido nomeado pelo próprio secretário-geral da ONU, e que tinha recebido o prémio “Feelings” da UNESCO (que a TVI dizia depois nunca ter constado da página), que tinha uma tese chamada “Growth, inequality and poverty” (que os media na altura disseram ter sido escrita por Martin Ravallion, do Banco Mundial), doutorado na Milton Winsconsin University (que não existe), deputado da Constituinte e ex-secretário de Estado de um governo socialista sem registos públicos de tais factos, teria até sido condenado em 1993, por várias penas de burla.

“Pior do que este governo não haverá”

Zangado com os que qualifica como “delinquentes mediáticos”, a que diz que colocou “vários processos enquanto tinha dinheiro”, o homem que brilhou nos media em 2012 ainda se questiona se “era preciso ser um Nobel para decidir que os países vendessem dívida diretamente ao BCE”.

“Expliquei o que temos de fazer há três anos e chamaram-me todos os nomes, menos santinho – colegas seus ao serviço de interesses económicos bem conhecidos. Com base em factos reais e documentados. Eu e mais 300 pessoas pelo mundo fora.”

Haverá, na perspetiva de Baptista da Silva, esperança para o país, agora que vêm aí eleições? Pouca, responde ele: “Os partidos estão reféns dos aparelhos e estes dos interesses. Com estes partidos não há hipótese de dar a volta às finanças públicas. Não podemos fazer nada a não ser empobrecer alegremente.” Mas uma coisa deixa claro. “Pior do que este Governo não haverá. É uma questão de experimentar”, afirma, embora acrescentando que “a experimentar dá-se sempre cabo dos mais fracos. Está escrito em todos os manuais de psicologia.”

Falando nisso, sobra a Artur Baptista da Silva um pesar: “Neste país não há a possibilidade de dizer a verdade. Num país dominado por clientelas políticas e mediáticas. Até disseram que tinha falsificado coisas e tudo. Mas eu não fui condenado e outras pessoas foram.”

Na conversa com o Observador, sem que conseguíssemos saber o que tem feito Baptista da Silva nestes dois anos, ficou por dar uma outra resposta à pergunta seguinte: Não foi condenado em quê? E quem foi condenado, afinal? Batista da Silva agradeceu o telefonema e desligou nesse momento.