A filha do capitão de Abril Salgueiro Maia, a viver no Luxemburgo há quatro anos, diz que foi “convidada” a sair de Portugal pelo primeiro-ministro Passos Coelho, lamentando a situação atual do país, que compara ao terceiro mundo.

Catarina Salgueiro Maia, de 29 anos, deixou Portugal em 2011, ano em que a troika chegou a Portugal e “em que o primeiro-ministro aconselhou as pessoas a ganhar experiência no estrangeiro”, ironizou, recordando os apelos do Governo à emigração. Com o marido desempregado e um filho pequeno, a filha do capitão de Abril decidiu procurar trabalho no estrangeiro.

“O meu marido esteve seis meses sem trabalho e foi quando decidimos arriscar. Ele tinha cá família e acabámos por decidir vir”, contou Catarina Salgueiro Maia à Lusa, durante um jantar de homenagem ao pai, organizado no sábado, 25 de abril, pelo portal de notícias português Bom Dia, em que também participaram o deputado socialista Paulo Pisco e o cônsul de Portugal no Luxemburgo.

“Portugal é um país terceiro-mundista”

“Eu saí do meu país, porque precisava de estabilidade financeira para criar o meu filho, que é asmático, e o medicamento não é comparticipado em Portugal, apesar de ser uma doença crónica”, explicou.

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“Uma consulta de alergologia no hospital público demora cerca de dois anos e meio, e nem vou falar dos idosos que morrem nas salas de espera, é um horror”, lamentou, considerando que “Portugal, neste momento, é um país terceiro-mundista”.

Com três cadeiras por terminar no curso de Línguas, Literaturas e Culturas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Catarina Salgueiro Maia acabaria por só conseguir emprego como empregada num café português, no Luxemburgo, onde chegou a trabalhar “mais de 17 horas por dia”, por um salário de 1.300 euros, um valor inferior ao salário mínimo no país, que ronda atualmente os 1.900 euros.

Há um ano, a família decidiu regressar a Portugal, mas em fevereiro acabariam por voltar para o Luxemburgo.

“Mais valia termos ficado quietos. Nós aqui temos uma ideia diferente da situação em que Portugal está: sabemos que Portugal não está bem, mas não temos consciência de que está tão mal”, lamentou, garantindo que encontrou o país “pior” do que quando emigrou em 2011.

“O meu pai deve dar voltas no caixão”

No dia em que o pai foi homenageado pela comunidade portuguesa no Luxemburgo, Catarina Salgueiro Maia disse à Lusa que pensa “muitas vezes” no que diria sobre a situação atual do país, o capitão de Abril que comandou a coluna de blindados que forçaria a rendição de Marcello Caetano.

“Às vezes digo que o meu pai, lá em baixo, deve estar às voltinhas no caixão. O meu pai lutou por uma democracia, por um país livre, correto, aberto”, recordou, lamentando que hoje haja “pessoas a passar fome, idosos que, ou comem ou tomam medicamentos, e pessoas que são postas na rua, por não poderem pagar a renda”.

Durante a homenagem a Salgueiro Maia, o deputado socialista Paulo Pisco considerou que o capitão de Abril “é um exemplo para todos os portugueses”, recordando ainda a pensão que lhe foi recusada em 1988, sob o governo de Cavaco Silva, tendo sido depois atribuída a dois antigos inspetores da PIDE, um episódio que considerou “indigno da democracia”.

Para Catarina Salgueiro Maia, o caso revela a “falta de coerência” do atual Presidente da República.

“Ele primeiro deu prémios a ex-inspetores da PIDE que torturavam, que massacravam, que matavam, que prendiam, e recusa prémios a quem lutou realmente pelo país? Onde é que está a coerência dele?”, questionou.

“Acho ridículo uma pessoa que não deu o mínimo valor a quem lutou pelo país, na altura em que devia ter dado, conseguir subir a um palanque, 41 anos depois e dizer que vivemos em democracia e agradecer a quem fez o 25 de Abril”, criticou a filha de Salgueiro Maia.

Cerca de 60 pessoas participaram no jantar de homenagem ao capitão de Abril, organizado pelo portal Bom Dia, um gesto que comoveu a filha.

“É bom saber que, fora de Portugal, o meu pai continua a ser lembrado, e que há pessoas que dão valor àquilo que ele e os outros capitães de Abril conseguiram para o país”, disse, considerando que os ideais da Revolução dos Cravos deviam ser recordados durante “todo o ano”.

“É preciso que se vivam os ideais de Abril não só neste dia, mas ao longo do ano. Eu acho que é disso que Portugal também está a precisar: defender os ideais de Abril todos os dias, e não ser só para a fotografia”, concluiu.