A identidade dos destinatários e beneficiários de algumas operações de crédito e aplicações financeiras que envolveram o BESA (Banco Espírito Santo Angola), a Eurofin e várias offshores, é uma das matérias que ficou por apurar na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do GES, considera o relatório final aprovado esta quarta-feira. Estas operações trouxeram prejuízos de centenas de milhões de euros ao Banco Espírito Santo sem que se tenha apurado onde e quem (entidades e particulares) beneficiou.
O tema esteve particularmente em foco no caso dos créditos concedidos pelo BESA, no valor de 5,2 mil milhões de dólares, cujo risco de incumprimento foi coberto pela garantia soberana concedida pelo presidente angolano, José Eduardo dos Santos. O documento da garantia chegou aos deputados, mas ninguém admitiu ter, ou até conhecer, o anexo onde estavam identificadas as entidades que receberam os empréstimos de alto risco. A própria auditoria forense ao BESA, cuja síntese foi divulgada, admite apenas que alguns desses clientes eram sociedades já referenciadas pela imprensa portuguesa, incluindo offshores associadas a Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Álvaro Sobrinho.
Outra das incógnitas que permanece prende-se com a fundamentação e o destino final dos empréstimos de 470 milhões de euros concedidos pela ESI (Espírito Santo Internacional) a empresas suas acionistas detidas pela família Espírito Santo, a saber a ES Control, Control Delopment e ESAT.
Também não foi possível descrever com detalhe as origens e circunstâncias em que algumas operações e movimentos terão representado benefícios e ou ganhos patrimoniais para membros da família e altos quadros de empresas do grupo, em particular “no que diz respeito a comissões, liberalidades ou outras situações análogas”. A liberalidade mais discutida na comissão foram os 14 milhões de euros entregues por José Guilherme a Ricardo Salgado, a título pessoal. O construtor recusou ir ao Parlamento e nas respostas enviadas ignorou o tema.
As conclusões finais consideram que:
“O recebimento de liberalidades por parte de Ricardo Salgado, CEO (presidente executivo), provenientes do cliente e devedor José Guilherme, sem fundamento conhecido, configura, para além de um potencial conflito de interesses, e/ou enriquecimento injustificado, porventura incompatível com os deveres de idoneidade exegíveis a quem desempenha tais funções”.
O relatório sublinha ainda os impedimentos legais que travaram o acesso da comissão de inquérito a declarações relativas à regularização do pagamento de impostos por acionistas ou administradores do grupo, no quadro do RERT (Regime Especial de Regularização Tributária). Foi através do recurso ao perdão fiscal para regularizar rendimentos fora de Portugal que se detetou a famosa prenda a Ricardo Salgado.
A lista das omissões e mistérios por esclarecer elenca os 11 temas tabu que o inquérito parlamentar não conseguiu deslindar. Outra das falhas referidas é o desconhecimento da posição de Durão Barroso, enquanto presidente da Comissão Europeia, cujas respostas à comissão não chegaram a tempo.
Outros buracos na história da queda do GES(BES passam pela reconstrução das contas reais que refletiam a verdadeira situação da Espírito Santo Internacional (ESI) e do Grupo Espírito Santo (GES) desde 2000, bem como a explicitação das origens dos “avultados prejuízos acumulados, estimados em mais de 5,3 mil milhões de euros”.
É ainda sublinhada a ausência de informação sobre ativos e passivos relacionados com as operações entre o BES/GES e a sociedade financeira suíça Eurofin. A circularização das obrigações do BES, intermediada pela Eurofin, com passagem pelo Panamá, gerou elevadas perdas ao banco quando teve de recomprar estes títulos aos clientes, todos não residentes. Esta operação permitiu reduzir a dívida do GES que estava nas mãos destes investidores, mas não ficou claro se as condições de preço e venda destas obrigações foram definidas deliberadamente para causar ganhos a terceiros, em prejuízo do BES.
O relatório da comissão de inquérito admite algumas das matérias em aberto possam ser, ainda que parcialmente, esclarecidas pelas auditorias forenses em curso às obrigações Eurofin, ao passivo da ESI e à colocação de dívida do GES nos fundos de investimento vendidos pela ESAF, e cujos resultados não foram conhecidos durante os trabalhos da comissão.
Na aplicação de quase 900 milhões de euros na Rioforte pela Portugal Telecom “não foi possível apurar com total precisão quem tomou a decisão, apesar de o relatório envolver, pelo menos a nível de conhecimento, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Luís Pacheco de Mello, Carlos Cruz (da PT) e Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Joaquim Góis (do BES).
Ficou ainda por saber o volume do crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos ao GES e a exposição do banco do Estado ao BES, grupo e Novo Banco.