Cerca de 65% dos médicos que frequentam o internato da especialidade em Portugal ponderam emigrar após concluída a formação, segundo um estudo realizado por médicos de todo o país através de inquéritos a 15% de todos os internos.

O estudo, a que a agência Lusa teve acesso, foi conduzido por 31 médicos e foi baseado na inquirição a mais de 800 internos de 45 especialidades diferentes, distribuídos por unidades de todo o país.

O objetivo principal foi avaliar a ideia dos médicos sobre a sua formação, bem como os níveis de insatisfação e a intenção de emigrar, naquele que é um estudo inédito em Portugal, segundo um dos responsáveis, o médico psiquiatra Tiago Reis Marques.

A vontade de sair de Portugal para exercer medicina vai aumentando à medida que avança o período de formação na especialidade: no último ano do internato a percentagem de inquiridos que ponderam emigrar sobe para 74%, quando no primeiro ano se fica pelos 53%.

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“A grande maioria considera que nos últimos anos a qualidade da saúde em Portugal tem vindo a diminuir muito ou mesmo extremamente e só 2% dos médicos internos acha que melhorou. Os médicos mais jovens têm vindo a percecionar uma degradação das suas condições de trabalho”, resumiu Tiago Reis Marques em declarações à agência Lusa.

Outro dado que o investigador qualifica como impressionante é o que mostrou que 20% dos médicos em formação inquiridos afirmaram que, se voltassem atrás, não optariam pelo curso de medicina.

“Podem ser dados impressionantes, até porque o curso de Medicina é extremamente procurado e os alunos têm notas de entrada muito elevadas”, admitiu o Tiago Reis Marques, considerando que é o confronto com a realidade da prática médica atual que faz os médicos internos mostrarem esta reticência em relação ao curso escolhido.

“Há uma perceção de que os médicos têm um grande prestígio social e que ganham muito dinheiro. Depois há o confronto com a realidade, com o grande desgaste profissional e com muitas horas de trabalho. E, atualmente, com muitas competências retiradas e autonomia comprometida”, comentou.

Apesar disto, a grande maioria dos inquiridos — quase 80% – demonstrou-se satisfeita com a qualidade da sua formação, demonstrando que os jovens médicos percecionam que a formação médica em Portugal tem qualidade.

O investigador Tiago Reis Marques, que atualmente desenvolve a sua atividade no Instituto de Psiquiatria do Kings College em Londres, sublinha que este estudo deve ser visto “na especificidade do país”, que passou por uma crise: “Estes dados são semelhantes a estudos feitos na Islândia há poucos anos, após uma grande crise, e que mostraram que muitos médicos emigraram e tinham taxas semelhantes de intenção de emigrar”.