Por uns breves momentos, dois cheiros intensos invadem o ar. Um é de café moído, o outro é de fritos. Apesar de não ser comum, a combinação de odores já se vai tornando normal na Rua Augusta. É que na mais importante artéria da Baixa de Lisboa convivem, lado a lado, uma casa de chás e cafés e uma loja de pastéis de bacalhau. A primeira está aqui instalada desde 1933, a segunda tem 1904 escrito por todo o lado. Então é mais antiga? Não, a data é apenas uma das várias particularidades da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau que têm despertado a atenção de lisboetas e turistas.
É quase impossível passear pela Rua Augusta sem dar conta de algo novo. Na esquina com a Rua de São Nicolau, um prédio de azulejos verdes, com placards dourados, telheiros dourados, flores nas varandas e fado nas colunas parece ser a mais recente atração da capital. São muitos os que tiram fotografias cá fora e lá dentro e são outros tantos os que acabam por fazer o gosto ao dente, provando o salgado a que a Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau (CPPB) se dedica exclusivamente. Só que nesta loja há uma inovação que parece, para já, exclusiva. Os donos decidiram casar o típico pastel de bacalhau com queijo da Serra e o resultado foi alguma polémica, mas muitos clientes satisfeitos.
“Juntaram duas coisas ótimas e ficou muito legal”, diz ao Observador uma turista brasileira, sentada na esplanada da CPPB com o marido e o filho, cada um com um enorme pastel de bacalhau com queijo da Serra para debelar. Há duas semanas em Lisboa, esta família já veio duas vezes comer a iguaria, que sabem não ser a típica portuguesa. “O meu filho não come os bolinhos de bacalhau normais e estes adora”, afirma a mulher, que se espanta quando fica a saber que esta receita causou indignação em várias pessoas.
Entre elas, Maria de Lourdes Modesto, figura “fundamental” da gastronomia nacional, como a definiu o crítico José Quitério. A autora de Cozinha Tradicional Portuguesa escreveu um texto onde considerou o namoro entre os dois sabores “uma verdadeira obscenidade”.
Um dos responsáveis pela casa, Pedro Dias, não quer entrar em conflitos com ninguém, até porque, diz, “sabemos muito bem aquilo que estamos a fazer”. E o que eles estão a fazer é “a voz da terra ansiando pelo mar”, como escreveu Fernando Pessoa no poema D. Dinis, publicado numa das paredes da loja. É “o casamento perfeito entre o interior e o litoral”, diz também. E como se chegou a esse noivado?
A história começou no início de 2014, quando este espaço ainda não existia e o grupo dono do CPPB só tinha o restaurante Museu da Cerveja (na Praça do Comércio) e o Museu do Pão (em Seia). De onde vem então o 1904? Do Tratado de Cozinha e Copa de Carlos Bento da Maia, publicado naquele ano, e onde surgia a primeira referência escrita ao “bacalhau em bolos enfolados”. Os pastéis do fiel amigo, melhor dizendo. “Um pastel de bacalhau vai muito bem com uma cerveja”, diz Pedro, explicando que, inicialmente, o interesse pelo salgado surgiu com “a necessidade de encontrar algo que combinasse bem” com a cerveja, estrela do restaurante da Praça do Comércio.
O bolinho com batata, ovos, salsa e o peixe nórdico foi ganhando fama no Museu da Cerveja, onde “estava a ocupar um lugar muito próprio”, o que fez os responsáveis do espaço pensar em novos voos.
“Pastéis de bacalhau existem em todos os estabelecimentos. Tínhamos de criar um pastel que se diferenciasse”. E foi assim que, a 15 de março de 2014, alguém se lembrou de pôr queijo da Serra no meio de um pastel de bacalhau.
Vistas arejadas
A data está assinalada dentro da loja da Rua Augusta com uma réplica de pastel em ouro. Neste sítio funcionou até há pouco tempo a Ourivesaria Augusta, o que justifica o facto de todo o espaço ser dourado e de haver peças em filigrana numa escultura de Amália. Além dessa peça, há obras de Júlio Pomar, Graça Morais, José Malhoa e outros artistas portugueses a decorar os dois andares abertos ao público. A ideia de “colocar o pastel de bacalhau ao lado destes ícones da cultura portuguesa” é, diz Pedro, realçar “a portugalidade” da loja.
Loja essa que, desde que abriu em maio, já teve problemas com a Câmara Municipal de Lisboa. A autarquia não gostou de ver dois enormes cartazes a tapar todas as janelas do primeiro andar e, em nome do Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina, mandou retirá-los. A casa ganhou fama instantaneamente nas redes sociais e hoje, talvez fruto de toda a polémica que já teve, é procurada por muitos lisboetas. “Está muito bom. Fantástico”, comenta uma mulher ao sair do local. Outras duas, Rosalina e Matilde, que foram só ver as vistas e não comeram nada, pensam que “é bom haver sítios assim arejados e com luz”, o que contrasta com o panorama de muitas outras lojas da Baixa.
Derretido por um pastel (o queijo, entenda-se)
“Fazer pastéis de bacalhau é tão importante como ler Os Lusíadas” é outra frase, esta de António Lobo Antunes, escrita numa das paredes da casa. Quem quiser, pode ver a iguaria a ser preparada in loco. Atrás de uma parede de vidro estão duas pessoas a promover constantemente o namoro do bacalhau com o queijo beirão. Eles enrolam-se literalmente: em duas colheres está a massa do típico pastel, no meio faz-se uma cova, coloca-se um pouco de queijo, fecha-se e já está. Vai a fritar em azeite, leva um selo em cima e é posto à venda por 3,45 euros.
Tudo isto, garante Pedro, dá emprego a 30 pessoas, entre vendas e fabrico. Com uma produção de 1500 a 2000 bolinhos por dia, a ideia agora é que “o pastel percorra o país”, mas não há planos para novas lojas neste momento. Críticas à parte, o pastel lá está, à espera de ser provado. E Pedro convida todos os que não o conhecem a vir experimentá-lo.
Nome: Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau
Morada: Rua Augusta, 106 a 108, Lisboa
Telefone: 91 648 6888
Horário: Aberto todos os dias, das 10h às 20h
Preço: Cada pastel de bacalhau, com ou sem queijo, custa 3,45 euros