A tarde desta quarta-feira foi mais animada do que o habitual na Praça do Município. A campanha eleitoral para as legislativas entrou pela porta da Câmara Municipal de Lisboa a dentro e tomou conta de grande parte da reunião pública. Tem ou não a autarquia lisboeta as contas em ordem? O executivo socialista diz que sim, os vereadores da oposição de direita dizem que não. Até aqui nada de novo, mas o palavreado usado foi novidade.

“Não paro de me surpreender sobre a matéria das contas da câmara”, começou por dizer João Paulo Saraiva, acabado de chegar ao cargo de vereador das Finanças, eleito pelo movimento independente Cidadãos Por Lisboa. E o que o surpreende é que os eleitos do PSD e do CDS acusem o executivo de mentir sobre a redução da dívida do município. Já há vários meses que António Prôa, Fernando Seara (ambos do PSD) e também João Gonçalves Pereira (CDS) afirmam que a Câmara Municipal não reduziu a dívida em 40%, como alegou António Costa, ex-presidente, em abril. João Paulo Saraiva está farto dessa conversa. “Eu pensava que já tinha sido claro sobre esta matéria e que não havia dúvidas”, disse, antes de apelar aos eleitos sociais-democratas que parem de “jogar um jogo político nacional à conta das contas da câmara municipal”.

As contas, essas, apresentou-as em folhas A3, para que se pudesse ver bem, disse. “Fiz uma coisa tipo escola primária”, afirmou, dirigindo-se aos vereadores da oposição, em especial a António Prôa, como “sr. vereador-deputado”, um trocadilho por o eleito social-democrata ser também deputado na Assembleia da República.

“Deixem lá a luta nacional para outras instâncias e concentrem-se nos interesses do município”, apelou João Paulo Saraiva, para quem tanto o PSD como o CDS, “em matéria de números, do rigorzinho, nada”. O vereador acusa os partidos de direita de usarem a câmara para fazer “chicana política” ao serviço das respetivas lideranças nacionais, que lá para setembro ou outubro vão disputar com o ex-autarca de Lisboa a liderança do futuro Governo nacional.

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Na resposta, o vereador centrista João Gonçalves Pereira disse que, numa reunião passada, já tinha apelidado João Paulo Saraiva de “kamikaze”, mas que agora se tinha lembrado de um termo melhor. “É um trauliteiro político”, disparou, ainda antes de afirmar que é de direita “com orgulho” e de recusar aquilo a que chamou “lições de moral” por parte do vereador das Finanças.

Depois também Fernando Medina, presidente da câmara, interveio. “Algumas pessoas do PSD querem criar a simples ideia que é a seguinte ‘António Costa disse que geriu bem as contas de Lisboa, mas a verdade não é essa'”, disse. Os argumentos que o PSD tem usado para esta tese prendem-se com o facto de o Estado ter pago 286 milhões de euros à câmara em 2012 pelos terrenos do aeroporto – o que permitiu, segundo Costa disse na altura, amortizar 43% da dívida da autarquia aos bancos. Ora, para os sociais-democratas, é daí que decorre grande parte da redução da dívida conseguida por Costa nos sete anos que teve em Lisboa.

Para Medina, no entanto, “esta história é falsa da cabeça aos pés” e “não resiste a rigorosamente nada”. O presidente da Câmara refere que “a redução da dívida interna do município foi de 270 milhões de euros” entre 2007 e 2014 e acusa Prôa de ter três discursos diferentes: o de que a Câmara mente nas contas, a defesa da tese dos “cofres cheios” e ainda o pedido de isenção da taxa municipal de proteção civil, que o social-democrata vai levar brevemente a votação. “Tenha descaramento”, pediu.

“Esta discussão às vezes parece surreal”

Mais calmo do que as intervenções fora do microfone pareciam indicar, António Prôa manifestou-se “francamente preocupado” com a atitude de Medina, por o presidente ter dedicado grande parte do período antes da ordem do dia a fazer aquilo que Gonçalves Pereira classificou como “ser o porta-voz de António Costa”.

Retomando a palavra, João Paulo Saraiva brincou com a acusação de ser um “kamikaze”, dirigindo-se aos vereadores da oposição: “Os senhores estão longe de ser um objetivo estratégico-militar para mim”. De seguida, deu mais uma “péssima notícia para a direita”. A de que a dívida aos fornecedores foi reduzida em 30% nos primeiros meses de 2015.

“Esta discussão às vezes parece surreal”, rematou, pouco antes de Fernando Seara usar da palavra. “Não seja excessivamente voluntarista”, disse o social-democrata. “É um conselho. Os conselhos de amigo são sempre avisados”. Pouco depois, finalizou a intervenção e o debate com um poema de Alexandre O’Neill.