Comecemos por explicar o que aconteceu esta madrugada, antes de perceber o porquê e o para quê. O banco central chinês desvalorizou a moeda em 1,9%, o que é a mexida mais abrupta de que há registo. Todos os dias o banco central define um preço (o daily fix) para que o mercado possa, depois, negociar a moeda numa margem de 2% acima e 2% abaixo desse valor. Esta é a forma principal que o banco central tem para gerir o valor do yuan de forma a que este não sofra grandes oscilações.
O corte do valor, ainda que importante, não é muito significativo em termos absolutos. A cotação do yuan voltou, na verdade, ao valor que tinha há menos de duas semanas. Ainda assim, a decisão foi vista por alguns analistas como o início de uma guerra cambial, em que os bancos centrais tentam diminuir – de forma competitiva – o valor das suas moedas para tornar as exportações dos seus países mais atrativas no mercado internacional.
O banco central garante, contudo, que esta não era a intenção. Mesmo com a desaceleração da economia nos últimos trimestres, as autoridades chinesas garantem que não estão, através desta decisão, a tentar dar um empurrão às exportações para assegurar que o crescimento acelera. A justificação dada pelo banco central chinês é que esta medida se enquadra num conjunto de iniciativas para modernizar o mercado financeiro chinês.
A notícia fez, contudo, com que os mercados europeus caíssem. O índice Stoxx 600 caiu 1,55% e a bolsa de Lisboa perdeu 1,82%. Também nos EUA o índice S&P 500 seguia a descer cerca de 1%. Como explicam os analistas estas descidas? Dizendo que a decisão das autoridades chinesas reflete uma preocupação grave com a desaceleração da segunda maior economia do mundo. As ações que mais caíram foram as que exportam para a China, como a LVMH (artigos de luxo) e a Daimler (automóveis).
Piscar de olhos ao FMI?
Perante a incerteza sobre as causas e consequências desta decisão, alguns especialistas lembram que o FMI vai decidir até ao final do ano se inclui a moeda chinesa nos Direitos Especiais de Saque (SDR) no fundo. Se for aceite, a moeda chinesa dará um passo de gigante na sua afirmação como moeda de reserva internacional, juntando-se ao dólar, euro, libra esterlina e iene.
O Financial Times recorda que o FMI aplaudiu, recentemente, os esforços da China no campo da modernização financeira, mas pediu uma melhoria do acesso por parte de estrangeiros aos mercados de ações e obrigações da China. Em nota enviada ao Observador, Craig Botham, economista de mercados emergentes da Schroders, uma gestora de fundos, diz que “é muito mais importante para a China o aumento do papel do mercado na definição do valor da moeda. Por isso, vemos esta questão mais como uma reforma apontada à inclusão nos SDR, e não como um impulso ao crescimento”.
A questão, daqui para a frente, é se as autoridades chinesas irão ou não permitir que a moeda flutue mais ao sabor do mercado. É que, se assim for, há um risco de que, com as incertezas em torno da economia chinesa e com a Reserva Federal dos EUA prestes a subir as taxas de juro, o yuan pode desvalorizar-se de forma acentuada, o que poderá provocar um abalo na economia global e nos mercados financeiros.