Hélder Amaral, o vice-presidente do grupo parlamentar do CDS-PP na Assembleia da República, é um “pé-frio” quando é hora de pôr o cachecol verde e branco e ir ver o “seu” Sporting a Alvalade. No velhinho estádio o “enguiço” ainda era pior e traz a Hélder Amaral sempre más recordações. “Nunca vi o Sporting vencer no José Alvalade antigo. Não ia ver os jogos todos, e ainda bem!, se não ainda descíamos de divisão, mas ia ver bastantes”, graceja.
Certo dia, falhou o encerramento de um congresso do CDS, saiu à socapa, para ir ver o Sporting contra o Estrela da Amadora. “Na altura, jogava no Sporting o Leal, que era meu conterrâneo de Viseu, e com quem joguei no Académico. E o Estrela, que nunca tinha sequer empatado em Alvalade, venceu o jogo”, recorda. Anos depois, desconfiado, o ex-presidente Dias da Cunha, que soube do “azar” de Hélder Amaral, convidou-o (ainda assim) para ir assistir ao jogo dos leões contra o Vitória de Setúbal. “Como é bom de ver, o Sporting perdeu.” Mas o pior foi mesmo o jogo contra os russos do CSKA, na final da Taça UEFA, em 2005 (o tal de má memória, com o adversário da próxima terça-feira, para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões). “Eu sabendo o que sabia, nem queria ir, mas o Luís Duque insistiu que fosse. E fui. Ao intervalo, como estávamos a ganhar por 1-0, o Luís Duque disse-me: vê, a culpa não é sua! Sossegue… Na segunda parte o CSKA virou o jogo: 3-1.”
Mas sofrer, Hélder Amaral não sofre só no Estádio. Ele que já sofria, em pequeno, quando escutava, lá longe, desde Angola, os relatos de hóquei pela rádio, as grandes goleadas na Europa, a equipa de Livramento, Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho e Xana. “Era o cinco base do Sporting, mas era também o cinco base da Seleção. Foi essa equipa de hóquei que me fez sportinguista.”
Hoje, em casa, o “sofrimento” é o mesmo, mas pela TV, com a diferença de que partilha as quatro paredes, não com o pai, sportinguista, mas uma prole de rivais. “Tenho dois filhos, os dois portistas. O rapaz ainda foi do Sporting por uns tempos, mas voltou-se para o Porto. A minha mulher também é adepta do Futebol Clube do Porto. Lembro-me que foi um momento de grande ‘tensão familiar’ naquele ano em que matámos um ‘borrego’ com 18 anos, em 1999/2000. Fomos campeões, mas a lutar, ‘taco a taco’, com o Porto até final! Tive que ver o jogo com o Salgueiros, o último jogo do campeonato, numa divisão diferente da casa”, conta.
A cada recomeço, a cada nova temporada, torce para o Sporting seja campeão, mas, apesar de o clube não o ser há já 13 temporadas, Hélder Amaral sabe que outro valor mais alto se alevanta — citando um verso célebre dos “Lusíadas”. “Eu vejo o Sporting como uma instituição, como um todo, e não só como um clube de futebol. Se quero que o Sporting seja campeão? Sim, claro que sim. Mas, se não o for, e o Sporting for um clube eclético, que vence nas modalidades, um clube formador, que aposta na miudagem, um clube não comete ‘loucuras’ e tem as contas em dia, não há problema. O que é preciso é respeitar o nosso ‘ADN’, e respeitar o que quis o nosso pai-fundador: que o Sporting seja um clube tão grande como os maiores da Europa. E eu tenho a certeza que, se não o é já, o vai ser com Bruno de Carvalho.”
Rui Reininho: um ex-nadador portista que não gosta do “andebol” de Lopetegui
Encontrámo-lo, na estrada, em digressão com os “seus” GNR, mas a conversa foi em torno de uma outra afiliação, mais antiga, talvez a primeira de Rui Reininho: o Futebol Clube do Porto.“As primeiras memórias que eu tenho de ir ver o Futebol Clube do Porto ao estádio, no desaparecido Estádio das Antas, são as memórias, não do estádio, mas da ida para o estádio. É a memória de subir, a pé, a Avenida de Fernão de Magalhães, pela mão do meu pai. Como eu vivia na Baixa, e não era longe, não demorava mais do que 15 minutos a chegar às Antas, mas, a mim, catraio, de perna curta, era-me uma viagem e tanto”, recorda Reininho.
Nos dias de jogo, cruzava-se, à chegada, com a GNR, não a do Grupo Novo Rock, que formou em 1981, mas a verdadeira, que lhe impunha respeito. Não era bem, bem respeito: “Lembro-me de sair cedo de casa, pois os lugares marcados não existiam, lembro-me de me cruzar com milhares de pessoas, lembro-me de ver a GNR a cavalo, o que me acagaçava todo, e depois, como o Estádio, na época, não tinha torniquetes, esperava cá fora. Cheguei a ir a jogos, aos grandes jogos europeus, com mais de 70 mil pessoas no estádio. Cabia sempre mais alguém.”
Rui Reininho é adepto de ir ao estádio, de lugar marcado, os tais que não existiam nos seus dias de “catraio”, e sofre, muito, hoje como no começo. “Eu sempre fui um ‘sofredor’ pelo Porto. Fui atleta do clube, na natação, e, nessa altura, até os juniores ia ver, ao campo de treinos que ficava à beira do estádio, mas também cheguei a ir ao velhinho campo da Constituição. Dizia na entrada: ‘Foot-Ball Club do Porto’, à inglesa. Tinha o meu cartão de sócio, e ia ver tudo pela mão do meu pai ou com os primos.”
Hoje, como o Futebol Clube do Porto vence mais do que perde, sofre menos. “Mas sofro quando eles, no futebol, começam a jogar ‘andebol’, ou lá o que é!” Andebol? “Tá bem que o andebol é com as mãos, mas quando eles trocam a bola, e trocam e voltam a trocar, o jogo todo, à volta da área, mas não rematam nem fazem um golo, isso para mim é esquisito. Mas esta temporada estou convencido de que vão entrar ‘nos eixos’…”, e despede-se, apressado, um abraço, pá!, que é tempo de fazer o sound check.
Um benfiquista do Porto, que se fez adulto no comboio a caminho do Estádio da Luz
“Como sabe, eu vivo hoje, como sempre vivi, na cidade do Porto. Portanto, as memórias que tenho do Estádio do Luz confundem-se muito com o que são as memórias da minha adolescência, quando fui autorizado, por fim, a viajar sozinho para Lisboa, de comboio, ir e voltar, para ver o Benfica ao vivo, no estádio.” A vinda à bola foi como que um “ritual de passagem” para a vida adulta, conta Júlio Machado Vaz, médico psiquiatra e sexólogo.
Desse tempo da meninice, recorda-se de sofrer pelo clube, desde a bancada, na vitória como na derrota. “Recorde-me de dois jogos, ambos terminaram 5-1, e ambos foram na Luz. Em 1965 vencemos o Real Madrid, com golos do José Augusto, do Eusébio, do António Simões e do Mário Coluna, contra um Real Madrid que era o Real do Santamaría, do Puskás, do Amancio. E recordo-me — e aí sim, foi sofrer a bem sofrer! — da goleada que o Benfica sofreu do Manchester United, em 1966, com golos do George Best e do Bobby Charlton. Até o golo do Benfica nesse jogo foi o Manchester que marcou. Um auto-golo.”
O pai era um fervoroso adepto portista, que chegou até a ser futebolista nos infantis do clube. Mas mãe e a avó, lisboetas, torciam pelo Benfica. Por outro lado, Júlio Machado Vaz sempre foi o primo caçula da família, e todos os primos mais velhos eram benfiquistas. Foi, confessa, a influência de “casa” que o fez ser adepto do Benfica. Os seus ídolos sempre vestiram de encarnado. “Não é só no futebol que há ídolos. Porque é que tanta e tanta gente idolatra cantores rock e estrelas pop? Nós cantamos com eles, triunfamos com eles. E eu também tive os meus ídolos. Um deles não é de todo original: Eusébio da Silva Ferreira. Vi-o jogar no seu auge. Mas também o José Águas, antes e com Eusébio, ou o Fernando Chalana, depois dele, foram ídolos para mim.”
Hoje, desiludido, acredita que talvez “não faça tanto sentido” ter um ídolo. “O futebol é cada vez mais um negócio. O que eu compreendo. O futebolista tem o direito de se mudar para um clube que lhe ofereça melhores condições. Mas, como benfiquista, não gostei da atitude do Maxi Pereira, por exemplo. No cidade do Porto, onde vivo, há semanas que se dizia, com certeza, que ele jogaria pelo Futebol Clube do Porto. Mas o Maxi desmentia, e dizia que não, que ainda ia ter que tomar uma decisão, em família, quando a decisão já tinha sido mais do que tomada. Mentiu. Um ídolo não é o Maxi. Mas é o Lima, que também saiu, sim, mas disse-o, olhos nos olhos com os adeptos, que saía para ir ganhar mais dinheiro. Isso eu compreendo.”
Não gostou de ter perdido a final da Supertaça contra o rival de sempre, o Sporting. Mas a derrota nem é o pior. “O que me preocupa nesta altura é que o Benfica, como já sucedeu no passado, está em competição e em pré-temporada ao mesmo tempo. O treinador mudou, houve futebolistas que saíram, outros que entraram e continuam a entrar, e, por outro lado, eu compreendo que compromissos são compromissos, mas as viagens na pré-temporada, andar por onde andou, com aquelas temperaturas, com aqueles horários, tudo isso atrasou a preparação. A derrota com o Sporting, por 1-0, contra um Sporting mais avançado na preparação, não foi um espanto para mim. Mas também não gostei de escutar o treinador dizer que entrou receoso. Nem como benfiquista, nem como psiquiatra. Não é um bom estado de espírito, o de Rui Vitória”, explica.