No início de agosto, a concretização da venda do Novo Banco era um dado adquirido. Com a exceção das reservas, manifestadas em privado por alguns banqueiros, ninguém mais parecia admitir a possibilidade de adiar o negócio para depois das eleições. Nem no Banco de Portugal, nem a nível do governo.
Entre os argumentos invocados estavam as razões políticas, deixar a resolução do Banco Espírito Santo resolvida antes das eleições, provando a tese de que não haveria custos diretos para os contribuintes, mas também económicas e financeiras. Já se sabia que o Novo Banco iria precisar de aumento de capital por causa de novas exigências europeias e nem sequer se admitia que a banca ou o Estado tivessem de meter mais dinheiro no Fundo de Resolução para esse fim. Teriam de ser os novos donos privados a capitalizar.
E no entanto, o Observador sabe que o presidente do Novo Banco teria dado indicação de conforto a Carlos Costa, logo no início do processo de alienação. Sabendo que o valor de mercado do banco não é alto, Stock da Cunha terá mostrado disponibilidade para preparar um plano de reestruturação – e uma estratégia – para o cenário de o Banco de Portugal decidir não vender a instituição a qualquer um dos três candidatos que se apresentaram.
Três candidatos. Venceu a quarta via
“Não há três hipóteses, há quatro”, dizia uma fonte conhecedora ao Observador no início de agosto. E foi a quarta hipótese que acabou por vingar.
Mas recuando algumas semanas, o Banco de Portugal aguardava pela entrega de ofertas melhoradas por parte dos três candidatos que passaram à fase final, Anbang, Apollo e Fosun. Os números que chegavam à imprensa, entre 3500 milhões e 4200 milhões de euros, ainda que insuficientes para cobrir a totalidade do capital injetado, pareciam assegurar pelo menos o reembolso do empréstimo ao Estado, com perdas menores.
Mas logo no dia da entrega das ofertas finais — 7 de agosto — o primeiro balde de água fria. Apenas um dos candidatos melhorou a oferta — mais tarde veio a saber-se que teria sido o fundo americano Apollo, aquele que teria oferecido menos pelo Novo Banco. No comunicado desse dia, o supervisor abria já a porta a este desfecho, ao dizer que em função da avaliação das propostas, o “Banco de Portugal decidirá a melhor estratégia a seguir.”
Poucas semanas depois, começaram a ser evidentes os problemas na negociação com o candidato mais bem classificado, a chinesa Anbang que chegou a ser dada como vencedora ao ser escolhida para negociações exclusivas. O que mudou?
As incertezas invocadas pelo Banco de Portugal
Os testes de stress europeus. Já se sabia que o Novo Banco iria, pela primeira vez sujeitar-se ao exame da solidez financeira, mas nas últimas semanas cresceram as reservas e condições impostas pelos candidatos, em função dos resultados destes testes. Estas condições teriam um impacto material negativo na receita líquida da operação, caso as necessidade de capital fossem mais elevadas. Ou seja, o encaixe poderia ser muito inferior ao preço oferecido, o que seria um risco para o Fundo de Resolução.
O que o Banco de Portugal não diz é que os resultados semestrais do Novo Banco, com prejuízos de 252 milhões de euros e os repetidos alertas dos auditores para elevados riscos, aumentaram o nível de alerta dos interessados. E serviram de justificação para não elevar propostas.
O agudizar da crise grega. Segundo o Banco de Portugal, a escalada de acontecimentos que levou ao terceiro resgate grego gerou incerteza para os investidores sobre o funcionamento da União Económica e Monetária. Mas na verdade, o momento mais crítico da crise grega já estava ultrapassado quando foram apresentadas as propostas finais para o Novo Banco. O acordo que permitiu desbloquear o novo pacote foi obtido na primeira quinzena de julho.
A recente perturbação dos mercados financeiros asiáticos (China), de “alcance e severidade ainda por determinar”. Este argumento tem mais força, na medida em que dois dos três interessados que chegaram à fase final, são grupos financeiros chineses com exposição elevada aos mercados acionistas locais.
A crise na bolsa de Xangai e o arrefecimento da economia chinesa já duram há alguns meses, apesar da segunda-feira negra que fez tremer os mercados mundiais ter ocorrido a 24 de agosto. O mais provável é que o evento tenha sido usado como argumento pela Anbang e Fosun para não elevarem as suas propostas durante as negociações exclusivas, frustrando as expetativas da equipa vendedora.
Nenhuma das três propostas apresentava “condições adequadas” ao nível do preço e do risco para o Fundo de Resolução. E este terá sido o argumento decisivo para o Banco de Portugal. Segundo uma análise da Société Générale, a receita da venda não ultrapassaria os dois mil milhões de euros, o que deixaria um enorme buraco — 2900 milhões de euros — para resolver.
Para além do impacto negativo na estabilidade dos bancos portugueses, uma tal perda assumida em véspera de eleições, tornaria muito difícil defender a tese do governo de que esta solução para o Banco Espírito Santo não teve custos diretos para os contribuintes. Entre vender mal e não vender, Carlos Costa acabou por escolher a solução menos má. Adiou a venda, mas também os problemas, para depois das legislativas.