1. O bruto peso que os ingleses têm nos ombros

Era o primeiro jogo, um momento de nervos, de explosão de uma ansiedade acumulada durante quatro anos. A cerimónia de abertura, cheia de adereços, espetáculo, muita pompa e equivalente circunstância, só ajudava a vincar como um Mundial foi “quase todo pensado para a Inglaterra voltar a ser campeã do mundo”. Ainda por cima com um Twickenham, o estádio que serve de casa para o râguebi inglês, à pinha de gente. A pressão e o adversário, as Ilhas Fiji, não deixaram que a seleção anfitriã tivesse um jogo fácil. O 35-11, diz Tomas Morais, engana porque apenas na segunda parte se viu a Inglaterra “a demonstrar todas as qualidades que fazem dela uma candidata” à conquista da prova, com um “râguebi mais rápido e dinâmico”.

O adversário, o maior forte das seleções de segundo plano do Pacífico Sul, tem “um jogo muito anárquico” e, por isso, obrigou os ingleses a “concentrarem-se ao máximo” para acabarem por ser superiores, sim, mas “sem surpreenderem”. Só a meio da segunda parte se livraram da impressão de terem um jogo demasiado mecanizado, sem espaço para improvisos. As melhorias apareceram na segunda, a partir de um momento em que serviu para se voltar ao que, há meses, divide os ingleses — quem deve jogar de início, George Ford ou Owen Farrell? O primeiro médio de abertura começou o jogo e o segundo entrou para o melhorar e acabar. Esta questão tem um peso próprio por eles, os adeptos e todo o râguebi inglês ter a sombra do jogador que foi Jonny Wilkinson.

Porque este é o primeiro Mundial em 12 anos que a Inglaterra joga sem o abertura que, aos olhos do atual diretor técnico da Federação Portuguesa de Râguebi, tinha “uma grande dimensão defensiva e a enorme capacidade de variar o jogo ao pé com a mão”. Fora o resto: ainda tem o segundo melhor registo de pontos marcados em jogos internacionais (1.242) e foram deles os pontapés que deram o Mundial de 2003 aos ingleses. Nem Ford ou Farrell “têm a classe de Wilkinson”, embora Tomaz Morais ache que “os dois servem para o modelo de jogo que a Inglaterra quer praticar”. E depois, quem joga? “Prefiro o Ford, usa e ataca muito bem a linha de vantagem no ataque”, diz.

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2. Tem-se abusado do vídeo-árbitro

É algo que, há anos, distingue o râguebi de outras modalidades e que o faz corar de elogios. O vídeo-árbitro, ou TMO (Television Match Official), como se abrevia em inglês, é utilizado quando o árbitro tem dúvidas nas jogadas que dão ensaio, nos pontapés aos postes ou em situações de jogo violento. No Inglaterra-Fiji, contudo, o jogo teve mais 10 minutos e oito segundos que o suposto — em parte devido às seis vezes que o árbitro principal pediu uma ajudinha ao vídeo-árbitro. Os assobios ecoaram no estádio, as críticas vieram depois e as coisas pioraram com o zelo que, nos restantes sete jogos já realizados, levou os árbitros a recorrerem muito ao TMO.

Tomaz Morais acha que, assim, se “está a mostra ao futebol que, em caso de exagero, o espetáculo vai ficar diminuído e as equipas de segundo plano aproximam-se das do primeiro” — cada paragem para consultar o vídeo-árbitro é um momento que as equipas mais fracas louvam para recuperarem fôlego. “Essas paragens de um ou de meio minuto acabam por descaracterizar o TMO”, argumenta o ex-selecionador nacional (2001-2011) que, apesar de ser “um defensor das novas tecnologias”, considera que o recurso ao vídeo-árbitro “tem de ser revisto”. É preciso evitar, defende, que seja utilizado “em situações de jogo aberto”, para que não comece a aparecer “em mêlées [formações ordenadas] ou touch [alinamentos]”.

LONDON, ENGLAND - SEPTEMBER 19: Referee Craig Joubert refers a decision to the TMO during the 2015 Rugby World Cup Pool D match between France and Italy at Twickenham Stadium on September 19, 2015 in London, United Kingdom. (Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

Craig Joubert, árbitro do França-Itália, fotografado a pedir uma ajuda ao TMO. Foto: Shaun Botterill/Getty Images

Se isto acontecer, o râguebi “passará a ser um jogo de PlayStation”, lamenta. O caso até já levou a organização do Mundial, em jeito de justificação, a emitir um comunicado no qual indicou que “apenas 28% do tempo de jogo morto” nos oito jogos realizados “se deveu ao TMO”. Pouco? Nem por isso. “Tudo o que passe dos 7% ou 8% é demasiado. Não pode ser mais do que 5%, se não é uma chatice e vai quebrar o ritmo”, defende o homem que treinava a seleção portuguesa que, em 2007, se tornou a primeira equipa amadora a estar num Mundial.

Mas há muitas coisas boas na arbitragem de râguebi e o facto de os homens do apito terem, ao peito e durante os jogos, uma pequena câmara, dá para quem vê de fora ver e ouvir o que se passa lá dentro.

3. E a França, será que volta a embalar?

Há quatro anos, no anterior Mundial, os franceses tiraram um brilharete do bolso. Chegaram à final e a Nova Zelândia apenas lhes ganhou por um ponto. Entretanto “perdeu muita identidade” e “o estilo próprio que tinha”. Investiu em jogadores “que não são franceses”, descaracterizou “a sua escola de movimentos” constantes e muito jogo à mão e, há dias, tremeram para vencer a Itália (32-10). Mas os gauleses “sabem jogar os grandes momentos” e “tudo dependerá de quem lhes calhar nos quartos-de-final”. Não arrancam este Mundial como uma das seleções europeias mais fortes, mas têm Frédérik Michalak.

France's fly half Frederic Michalak (C) kicks a clearance during the Pool D match of the 2015 Rugby World Cup between France and Italy at Twickenham stadium, south west London on September 19, 2015. AFP PHOTO / ADRIAN DENNIS RESTRICTED TO EDITORIAL USE, NO USE IN LIVE MATCH TRACKING SERVICES, TO BE USED AS NON-SEQUENTIAL STILLS (Photo credit should read ADRIAN DENNIS/AFP/Getty Images)

O jogo ao pé de Frédérik Michalak pode ser precioso para os franceses neste Mundial. Foto: Adrian Dennis/Getty Images

Este senhor já tem 32 anos, é médio de abertura e marcou 19 pontos no jogo inaugural. Além das críticas ao râguebi frouxe que mostrou, a França tem sido criticado por apostar tanto em alguém que sempre foi muito rápido a ir do 8 a 80. Tomaz Morais, contudo, vê-o com “um grande carisma” como alguém que “sabe jogar como ninguém os momentos chave” do jogo. “É um jogador que o selecionador sabe que não deslumbra e não vai ser muito superior aos restantes, mas que, nos momento chave, de ocupação de território [leia-se, quando é preciso, ao pontapé, conquistar terreno], tem nele um jogador capaz de o fazer”, explicou.

4. A valente surpresa que o Japão pregou

As surpresas no râguebi são raras: os que a teoria diz serem melhores costumam sempre ganhar na prática. Mas desta vez não. O Japão ganhou (34-32) à África do Sul, campeã em 2007 e uma das três melhores seleções do mundo, e chocou as partes do planeta que seguem a modalidade. Ou mais aquelas que não a acompanham assim tanto. Tomaz Morais tem a palavra: “Só quem andam de persianas fechadas, como costumo dizer, é que não sabia que o Japão é das equipas que mais tem evoluído. Têm das melhores condições de treino do mundo e estão com um campeonato recheado de jogadores do Pacífico [das Fiji, do Tonga, de Samoa, etc.] Andy Jones [selecionador que é sul-africano] preparou-os quase num bunker, fechadinhos, a rodá-los muito nos Sevens, por exemplo, e deu rotatividade aos jogadores. Fê-los crescer fisicamente. Toda a política desportiva dos japoneses se centrou neste Mundial.”

E isto explica-se talvez pelo facto de serem eles a organizarem o próximo, em 2019. O diretor técnico português fartou-se de elogiar a “forma como o Japão usou a largura do campo”, como “deu uma lição de defender”, com uma técnica de placagem baixa, às pernas, que “infelizmente caiu em desuso”, e a ambição e carisma que mostrou. Viu-se pouco antes do final do encontro, quando teve oportunidade de escolher um pontapé de penalidade que, convertido, empataria o jogo, mas preferiu jogar à mão e tentar o ensaio que lhes daria (e deu) a vitória. E agora, o que fará o Japão depois de ter feito o mais difícil? “Tanto podem voltar a ganhar à Escócia [uma das seleções que ainda não jogou, porque cada grupo tem cinco equipas e uma folga por jornada], como podem perder contra todas as outras equipas do grupo. Ainda não tem uma estrutura e plantel para jogar todos os jogos ao mesmo nível. É uma das equipa mais bem treinadas deste Mundial, mas isso não chega”, antevê o português.

Quanto aos sul-africanos, chegaram à prova com uma mistura “mal gerida” entre jogadores veteranos e jovens e, durante o encontro, “viu-se que pensavam que acontecesse o que acontecesse, iam ganhar o jogo”. Passaram por “uma humilhação”, como disse Victor Matfield, o segunda linha dos Springboks (alcunha dos jogadores da seleção) que sabe o que diz — é o mais velho deste Mundial (38 anos) e admitiu ao The Guardian que “nunca tinha visto um balneário tão em baixo e silencioso” como o que apanhou após a derrota com o Japão.

5. E a surpresa (que já não o é) que fez suar muito a Nova Zelândia

Se o râguebi fosse um planeta, a Nova Zelândia seria um extraterrestre: são os famosos All Blacks, a seleção que veste sempre de preto, já conquistou dois Mundiais (1987 e 2011), que nos últimos quatro anos perdeu apenas três jogos e, desde 1995, ano em que a modalidade se tornou profissional, ganhou 84% dos encontros que realizou. Vencer a Argentina apenas por 26-16 depois de ir para o intervalo a perder deveria ser um pequeno escândalo, mas hoje já não o é. “Os argentinos só são surpresa para quem não os conhece. São uma equipa combativa, não deitam fora uma oportunidade que lhes deem e são muito agressivos na placagem”, resume Tomaz Morais.

O resto viu-se em campo. A Nova Zelândia entrou “com claras desconcentrações” e “muito indisciplinada”. Apenas jogava na quarta mudança enquanto os argentinos não baixaram da quinta até as pernas aguentarem. “Viu-se a diferença: a Argentina joga com tudo de início porque não tem mais argumentos, enquanto os neo-zelandeses têm um banco de luxo e reparou-se que iam acabar por resolver a questão”, analisa. Num grupo em que também estão o Tonga, a Namíbia e a Geórgia, porém, os argentinos “devem chegar aos quartos-de-final” e provar como a vitória, em agosto, em Durban, contra a África do Sul, no Rugby Championship (torneio disputado anualmente pela Argentina, Nova Zelândia, Austrália e os sul-africanos) também não foi uma surpresa.

P.S. – Se ainda não viu, veja aqui o momento do primeiro Haka deste Mundial.

during the 2015 Rugby World Cup Pool C match between New Zealand and Argentina at Wembley Stadium on September 20, 2015 in London, United Kingdom.

O momento em que os neo-zelandeses fizeram o primeiro Haka deste Mundial.

6. A Irlanda certinha e à boleia do pé de Sexton

Era um “jogo simples”, sem um grau de dificuldade por aí além. O resultado de 50-7 mostra-o, mas a Irlanda, mesmo assim, não pode ser vista com menosprezo. Além de terem conquistado as duas últimas edições do Torneio das Seis Nações, os irlandeses mostraram vontade em fugir ao jogo à mão mecanizado que costumam mostrar. Jogaram rápido, mais dinâmicos, com muitos cruzamentos e variações no passe. E mais, porque Tomaz Morais viu uma equipa “posicionar-se muito bem em campo e a ser, a par da Nova Zelândia, talvez a mais forte seleção a fazer compensações defensivas e coletivas”. Foram mesmo “fantásticos”, assegura. Depois têm Jonathan Sexton, o médio de abertura que usa o pé para conquistar território onde quer que esteja e tem “frieza suficiente” para a equipa “poder confiar nos seus pontapé quando as coisas não tiverem a sair bem”.

Portuguese rugby union national team coach Tomaz Morais walks on the field as he attends a trainning session 14 september 2007 at the Gerland stadium in Lyon, on the eve of the rugby union World Cup group C match New-Zealand vs Portugal.  AFP PHOTO / FRED DUFOUR (Photo credit should read FRED DUFOUR/AFP/Getty Images)

Tomaz Morais em 2007, a meio de um treino com a seleção portuguesa em Gerland, França, durante o Mundial. Foto: Fred Dufour/AFP/Getty Images)

7. A força dos avançados da Geórgia

Estava com ar cansado, exausto até, mas feliz. “Foi o jogo mais duro da minha vida, mas também o melhor momento da minha carreira. Esta equipa deu 200%”, disse, ofegante, o capitão Mamuka Gorgodze, depois de os georgianos virarem o jogo contra o Tonga e conseguirem a terceira vitória em Mundiais (as anteriores, em 2007 e 2011, surgiram frente à Namíbia e à Roménia).  Nada que tenha surpreendida Tomaz Morais, que perdeu a conta às vezes que defrontou a Geórgia em Europeus e jogos de preparação quando tomava conta da seleção nacional. “Na Geórgia o râguebi é o desporto rei e eles jogam para serem profissionais. É um escape de vida. Começam desde muito cedo a jogar e entram para a academia nacional, que depois exporta os jogadores. Têm muita qualidade. O número 8 [o tal capitão] já esta careca, anda nisto há muito tempo, é dos melhores número 8 deste Mundial”, explica. O próximo jogo é contra a Argentina (sexta-feira, às 16h45) e promete ser dos bons.

A data e os horários dos próximos encontros do Mundial estão aqui.