É hoje o último dia da campanha eleitoral. No sábado o dia é para a reflexão e no domingo dia de votar. Foram duas semanas de campanha oficial mais marcadas pela luta política do que pela explicação. “Não há espaço para o detalhe durante a campanha”, admitia uma fonte próxima do líder do PSD.
Da reforma da Segurança Social às medidas de incentivo à natalidade ou às políticas ativas de emprego, a discussão até foi acesa e, nos primeiros tempos de campanha, muitas foram as palavras “complicadas” que entraram para o léxico político: plafonamento vertical e horizontal, condições de recursos, quociente familiar ou prestações sociais não contributivas. O debate fez-se com uns a criticarem o modelo dos outros. Mas será que esclareceram o seu?
Aqui ficam algumas das dúvidas remanescentes:
Portugal à Frente
1 – O buraco de 600 milhões na Segurança Social. A dúvida já vem de trás, desde que o Governo submeteu o Programa de Estabilidade a Bruxelas: PSD e CDS dizem que é preciso obter um “impacto positivo na ordem dos 600 milhões de euros no sistema de pensões, independentemente da combinação entre medidas de redução de despesa ou de acréscimo de receita que venham a ser definidas”. Dizem que não o vão fazer através de qualquer corte nas pensões, mas nunca chegaram a esclarecer como pretendem então chegar a essa poupança para, como pretendem, garantir a sustentabilidade da Segurança Social.
Ao longo do tempo, Passos e Portas foram tentando relativizar a questão, dizendo, primeiro, que o número já não é tão alto quanto 600 milhões e, depois, que o buraco deve ser tapado com formas alternativas de financiamento da Segurança Social. Quais? É ver, em concertação social, em respeito pelas directrizes do Tribunal Constitucional e em diálogo com o maior partido da oposição. É o mais longe que vão. Mas Passos diz que não será uma tarefa assim tão difícil, já que o próprio PS propõe várias formas alternativas de financiamento do sistema, sendo que a coligação “até concorda” com algumas delas – pelo menos com a penalização às empresas que tenham mais rotativivade de trabalhadores.
2 – Plafonamento da Segurança Social: Qual é o teto? Foi um dos temas da campanha, desde que os programas eleitorais foram apresentados. Para a coligação, a intenção é de avançar com o plafonamento das pensões através da criação de um limite superior para efeitos de contribuições, que irá determinar um valor máximo de pensões pagas pelo Estado – tudo o que ficar acima dessa meta fica de fora da responsabilidade da Segurança Social e a cargo de sistemas privados ou mutualistas.
Mas os detalhes da medida não constam do programa, onde se lê apenas (mais uma vez) que a ideia é que os números sejam discutidos em sede de concertação social e em função do crescimento económico. Ao longo da campanha, no entanto, foram levantadas algumas pontas do véu: Passos e Portas garantem que o valor-limite só será aplicado aos “novos contratos”, e não aos que já estão em vigor, admitindo por isso que a reforma seja pouco ambiciosa e que demore muito tempo a surtir resultado; e que o teto nunca deverá ser inferior a cinco salários mínimos, isto é, cerca de 2.500 euros. Durante a campanha, Passos chegou a dizer que pode ser três ou cinco vezes um ordenado médio, que ronda os 900 euros. Mas não concretizou.
3 – Estágios para funcionários públicos em empresas privadas. Que tipo de estágios, e para quem afinal? É uma das medidas de ativação de emprego previstas no programa da coligação que mais suscita curiosidade, por implicar pôr trabalhadores já inseridos na máquina do Estado a estagiar em empresas privadas. No programa lê-se o seguinte: “Promover estágios para funcionários públicos em empresas privadas, sobretudo em áreas de forte desenvolvimento técnico e tecnológico, por forma a transpor conhecimento do setor privado para o setor público nos domínios da gestão, da inovação e das práticas de gestão em ambiente de mercado/concorrencial”.
Mas a coligação nunca chegou a esclarecer se se trata de trabalhadores em mobilidade, ou não, qual a duração dos referidos estágios e em que condições ficariam os trabalhadores nessa situação.
4 – Prémios de ativação para desempregados. Uma das principais medidas no combate ao desemprego da coligação Portugal à Frente é um prémio de ativação para desempregados. No programa, há apenas uma frase sobre este assunto: “Os trabalhadores, beneficiários de prestações de desemprego, que iniciem uma relação de trabalho, beneficiarão de um ‘Prémio de ativação’, durante o período remanescente de concessão da proteção no desemprego”. Mas que tipo de prémio é este que será dado aos desempregados? Como funcionaria?
Ficou por esclarecer. Sabe-se apenas que as empresas que contratem desempregados que ainda recebam subsídio de desemprego “terão isenção integral das contribuições para a segurança social no período remanescente”, ou seja, durante o período em que o Estado teria que suportar prestações sociais com o desempregado se este não arranjasse emprego, assim como terão um prémio, sob a forma de crédito, como reconhecimento pelo mérito social da contratação. Mas quanto aos prémios dados aos desempregados, nada se diz.
“Os detalhes sobre o prémio de ativação terão de ser discutidos em concertação social, tal como todas as medidas do emprego”, diz, mais uma vez, fonte da coligação.
5 – Majoração das pensões das mães – A promessa é de introduzir progressivamente benefícios que premeiem a maternidade, obtidos através de um mecanismo de majoração de pensões futuras. É o que está no programa e foi que Passos reafirmou em campanha. “É muito importante que as mulheres que desejem ter mais filhos sintam que a sociedade lhes reconhece também essa vontade de ajudar o país a crescer sustentadamente. E é importante dar-lhes, por essa razão, uma majoração na forma como essa pensão no futuro será calculada”, disse, em Évora.
Mas não explicou como o pretende fazer. Aumentar as pensões das mães? Cada ano em que o filho é menor vai valer mais do que um ano efetivo de contribuições para a Segurança Social? Ou o bónus será dado através de mais dinheiro trabalhando os mesmo anos que uma mulher sem filhos? Questionado sobre o assunto durante a campanha, a coligação recusou detalhar.
Além destas propostas, há várias outras do programa da coligação Portugal à Frente que continuam a suscitar dúvidas mas que, quando questionadas sobre o assunto, permanecem sem resposta. Na área da saúde por exemplo, o programa fala da “reavaliação das prioridades na construção ou ampliação de hospitais, nomeadamente os do Funchal, Amadora/Sintra, Algarve, Évora, Península de Setúbal e Vila Nova de Gaia”, então isso significa que está prevista a construção de novos hospitais? E na área da educação, Passos faz do programa Saber + uma bandeira para combater as desigualdades sociais na origem, mas não concretiza quais são os critérios para aceder ou em que se baseia este programa de apoio do Estado.
Partido Socialista
1 – Poupança de 250 milhões de euros por ano em prestações sociais – O problema já vinha desde o fim da pré-campanha, do debate com Passos Coelho nas rádios: Costa não conseguiu explicar, ou explicando não deixou de ser confuso, como vai poupar 250 milhões por ano em prestações sociais (1.020 milhões em quatro anos) com um alargamento das condições de recurso. Foi dando várias explicações e o outro lado (leia-se coligação) não o poupou a cada dia tentando desconstruir a mensagem.
O problema é que o próprio PS se enredou em justificações e deixou cair o que se pode ler no estudo sobre o cenário macroeconómico que diz: “Introdução de condição de recursos em prestações não contributivas”. Primeiro não respondeu no debate, depois alguns socialistas, incluindo Mário Centeno, falaram de uma poupança na ação social (como pode ver aqui neste trabalho do Observador). Por fim, foi o próprio António Costa a falar de uma justificação rebuscada e de difícil compreensão: a poupança de 1.020 milhões em quatro anos, pela criação de emprego que vai dispensar o pagamento de prestações sociais, pela reposição de outras prestações cortadas que dependem de condição de recursos e pela criação de novas prestações por parte de um futuro Governo socialista (como o complemento salarial anual) e que, assim, permitiriam baixar o volume de pagamentos das prestações não-contributivas. Um dos exemplos que deu foi o caso do Subsídio Social de Desemprego que deixará de ser necessário se houver melhoria do emprego.
Fica por saber: afinal, vai ou não introduzir condição de recursos em prestações que ainda não a tenham? Nas pensões mínimas? Na ação social? Ou o que está no programa e no estudo passarão a ser justificados com a economia?
2 – Eliminação do quociente e substituir por uma dedução por cada filho. É uma guerra com barbas. Desde que a reforma do IRS foi feita durante no ano passado, que o PS de António Costa lhe travou uma luta. E acentuou a questão no programa eleitoral onde se lê: “Eliminar o quociente familiar introduzido no Orçamento do Estado de 2015, que tem uma natureza regressiva, substituindo-o por uma dedução por cada filho que não tenha o carácter regressivo da atual formulação, com efeito neutro do ponto de vista da receita fiscal”.
Nas explicações que foram dadas (e não foram muitas), os socialistas falaram da necessidade de tratar de igual modo o filho de um pobre da mesma maneira que tratam o de um rico. Ou seja, que este pese o mesmo no IRS. E que quer isto dizer? Quer dizer que o PS quer que os filhos contem para uma baixa no imposto, mas que seja um imposto progressivo. De resto, das poucas vezes que falou nisto, Costa apenas puxou pela questão social: do equilíbrio entre ricos e pobres. Fica por saber afinal como se vai processar essa “dedução” por cada filho.
3 – Mecanismo conciliatório de fim de contrato. A primeira vez que esta proposta apareceu foi de pronto criticada por se tratar do “contrato único”, o que desagradou à esquerda. Aliás, é uma das medidas que Catarina Martins pediu a Costa para deixar cair. No programa do partido diz-se que se trata de um “procedimento conciliatório e voluntário” que deve cumprir algumas regras: “Quando se utilize este processo conciliatório, as indemnizações por despedimento serão mais elevadas do que as atuais: pelo menos dezoito dias por cada ano de antiguidade nos primeiros três anos e 15 dias por cada ano adicional, com mínimo de 30 dias e um máximo de 15 meses, no respeito pelos instrumentos de negociação coletiva. Estas indemnizações estarão isentas de impostos; Quando o processo conciliatório termine com a concordância do trabalhador, aplica-se o regime da cessação do contrato de trabalho de forma involuntária para o trabalhador, para o efeito de determinação de prestações sociais aplicáveis, como a de desemprego”.
Esta é até uma das propostas que mais detalhada aparece no programa socialista e que Costa retomou no debate com Passos Coelho. Problema: se este mecanismo aplica-se apenas para os novos contratos, não se sabe qual a solução para os conflitos laborais que já entopem os tribunais. E sem estes, se o mercado não fica ainda mais dividido, entre os novos trabalhadores (mais expostos) e os que estão já no ativo (mais protegidos). Também fica por saber o que consegue sair da concertação social – e sequer se os parceiros aceitam a ideia.
4 – Penalização pela rotatividade de trabalhadores com contrato a termo – No conjunto dos quatro anos de mandato, o PS espera arrecadar mil milhões de euros (350 no primeiro ano e depois o valor vai descendo) com a penalização das empresas que abusem nos contratos que não sejam permanentes. No programa do partido pode ler-se que o PS pretende: “Agravar a contribuição para a Segurança Social das empresas que revelem excesso de rotatividade dos seus quadros em consequência da excessiva precarização das relações laborais”. Esta é apenas uma das medidas que o PS tem sobre contratos de trabalho. A intenção, foi defendendo Costa, foi não só a de aumentar o emprego, como também a de que esse emprego seja com qualidade. Contudo, esta foi uma medida que levantou algumas questões dentro do próprio PS que duvida da eficácia de uma medida que pode tornar mais rígido o mercado de trabalho. Essa é aliás uma das dúvidas: como promover contratos mais permanentes e ao mesmo tempo manter o dinamismo do mercado de trabalho? E as empresas com negócios temporários – estarão também elas abrangidas? É mais um caso em que o desenho da medida será feito em concertação social.
5 – Mais dois pontos: portagens e um fundo
Além destas propostas do PS, ao longo da campanha, o Observador tentou saber mais sobre dois assuntos: a promessa de acabar com o pagamento de portagens no interior e sobre o fundo de apoio a empresas endividadas.