Um verdadeiro apreciador de música não dispensará momentos de lazer para se acompanhar por canções de seu gosto, nem mesmo os nossos líderes partidários. Os dias de campanha têm sido intensos e, entre viagens e arruadas, os momentos no conforto dos carros podem ser aproveitados para ouvir música. Mas qual é o gosto musical dos nossos políticos?

Com o dia das eleições à porta, o Observador selecionou cinco canções de artistas admirados pelos principais representantes partidários, ilustrando a perspetiva de cada um face às eleições.

António Costa – “Feels Like We Only Go Backwards”

Tal como sublinhou o Observador, António Costa esteve na segunda noite do Festival Vodafone Paredes de Coura deste ano. Em declarações à TSF, o secretário-geral do Partido Socialista assumiu querer “deixar a política fora do festival” e admitiu estar ali para ver os psicadélicos Tame Impala, cabeças de cartaz, e o português The Legendary Tigerman.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em “Lonerism”, segundo disco dos Tame Impala, consta a canção mais popular da banda australiana: “Feels Like We Only Go Backwards”. A canção, melancólica mas com um refrão orelhudo, fala sobre a sensação de ficar esmagado por uma expetativa amorosa não cumprida. Em caso de António Costa, caso não venha a acontecer, será uma expetativa eleitoral. E, inerente a essa sensação, parece que a vida começa a “andar para trás”, tal como se ouve no refrão.

As três supersondagens, divulgadas dia 1 de outubro, preveem uma larga vantagem da coligação Portugal à Frente sob o PS. Ao longo da campanha, o escândalo dos cartazes e a aparente tensão dentro do PS, tal como opinou Marcelo Rebelo de Sousa, não ajudaram. A dada altura, já em campanha a bordo do “Comboio da Confiança”, António Costa pode ter “voltado a ter esperança”, tal como se ouve na canção. As decisões estão reservadas para dia 4 de outubro.

Paulo Portas – “Homesick” 

https://www.youtube.com/watch?v=rJo0HHAXefI

Para além de companheiro de Pedro Passos Coelho nesta campanha eleitoral, Paulo Portas é assumidamente fã do músico austríaco Parov Stelar. Ao dar boleia a Judite Sousa durante uma entrevista, Portas pôs a tocar “Daylight”, compilação do músico austríaco, mostrando-lhe a canção “Homesick” e “A Night In Torino”. Segundo o líder do CDS, a canção é “excelente”.

Tal como grande parte das canções de Stelar, “Homesick” possui uma eletrónica dançável. As frases repetidas ao longo da faixa falam sobre uma intensa experiência fora de casa e uma vontade de “não voltar”. Não só Portas, provavelmente, ouviu esta canção durante a campanha eleitoral, como também representa a sua proatividade ao longo da campanha eleitoral da coligação Portugal à Frente. Tal como o Observador sublinhou no final de setembro, Paulo Portas e Pedro Passos Colho têm tido papeis distintos. Portas, mais agressivo, aponta os erros de António Costa e Pedro Passos Coelho, mais resguardado, aponta para o futuro, sublinhando que quer “continuar o bom trabalho”.

Pedro Passos Coelho – “A vida que eu escolhi”

Há quatro anos como primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho está perto de ganhar as próximas eleições, garantido a renovação do cargo. Juntou forças com Paulo Portas, viajou pelo país, bebeu vinho junto dos portugueses e cantou “Amigos para Sempre”. Aliás, não é a primeira vez que mostra o seu amor pela música e o seu talento enquanto cantor. Apesar de ser assumidamente apreciador de ópera, especialmente de Maria Callas, Tony Carreira “é algo que se ouve” em casa de Passos Coelho, segundo soube o Observador.

A três dias das eleições, as três supersondagens divulgadas esta quinta-feira dão vantagem à coligação Portugal à Frente. Com estas previsões, Pedro Passos Coelho pode-se rever em “A vida que eu escolhi”. Para além de estar a viver “a vida que escolheu”, e apesar dos “muitos anos a sorrir e a chorar”, pelo menos nos últimos quatro anos de mandato, Passos Coelho será sempre “aquilo que sonhou ser” “enquanto sentir” que o “querem ouvir”. E assim será, caso a coligação vença.

Catarina Martins – “You Can Never Hold Back Spring”

Em declarações à TSF, Catarina Martins confessou que Tom Waits é um dos seus artistas preferidos. O respeitado cantautor norte-americano, com mais de 15 álbuns de estúdio lançados, escreveu “You Can Never Hold Back Spring” a pensar numa citação do poeta chileno Pablo Neruda – “Podes cortar todas as flores, mas nunca poderás reprimir a primavera”. E o futuro do Bloco de Esquerda, a quem muitos previam o seu respetivo enfraquecimento, mantém-se um dos principais partidos portugueses.

Após o descalabro do Syriza e a saída de membros que se uniram para fundar outros partidos, como o Livre/Tempo de Avançar ou o AGIR, muitos acreditavam que o Bloco de Esquerda ia sofrer nas urnas. Catarina Martins arregaçou as mangas e “não parou de acreditar”, tal como canta Waits. Martins, juntamente com a sua equipa, “desabrochou uma flor” que muito davam como morta

Jerónimo de Sousa – “A Trova do Vento Que Passa”

A luta continua para o camarada Jerónimo de Sousa que, atualmente, vive um bom momento. 10 anos depois, o PCP pode voltar a tornar-se a 3º força política em Portugal. Em declarações à TSF, Jerónimo, como seria de esperar, é apreciador da balada de protesto. E nesta canção, que escolheu para a TSF, Jerónimo sente que há canções que fazem cada vez mais sentido, por ilustrarem situações que “ainda se repetem” – neste caso a emigração.

“A Trova do Vento Que Passa”, escrita por Manuel Alegre, em 1963, e cantado por Adriano Correia de Oliveira, fala sobre um português que não consegue saber da “desgraça” que se passa em Portugal. Nem os rios, nem as flores, nem o vento lhe sabem dar notícias do que se passa em Portugal. Mas, escreve Alegre, “há sempre uma candeia dentro da própria desgraça. Há sempre alguém que semeia canções no vento que passa”. E Jerónimo, mesmo com 68 anos, continua a lutar para ser “uma candeia”.

Texto editado por Helena Pereira

Ilustração: Milton Cappelletti