PS, PSD e CDS estiveram reunidos esta terça-feira durante mais de duas horas. E o que saiu dali: uma coligação sem perceber o que o PS quer fazer e o PS a dizer que o que a coligação fez não chega. Resultado do jogo do empurra: António Costa, que pouco antes da reunião disse estar em “melhores condições” para formar Governo, ganha um pouco mais de tempo enquanto percebe nas reuniões técnicas com o PCP e o BE se tem condições para manter um Governo estável. É que durante a reunião entre socialistas e a coligação, o PCP fez saber que as conversas são difíceis e que até agora só há acordo para a formação e entrada em funções de um Governo PS. Falta o essencial: a aprovação de Orçamentos do Estado.
Esta foi a segunda reunião entre a equipa negocial liderada por Passos Coelho e Paulo Portas e a equipa de António Costa. O ar grave com que o primeiro-ministro chegou ao Rato adensou-se no final da reunião. Passos Coelho foi até à sede do PS ouvir os socialistas dizerem que o “exercício atrevido” (como lhe chamou) “não é suficiente” e depois disso apontou baterias a António Costa dizendo que não ouviu do PS “uma posição que fosse construtiva, positiva. O PS pôs-se numa posição passiva”. Perante essa sensação com que ficou, deixou a pergunta:
“Ontem remetemos uma posição estruturada. Estávamos à espera que hoje pudéssemos avançar sobre essa proposta ou que pudéssemos ter uma outra apresentada pelo PS. Fico a aguardar que o PS esclareça esta questão: o que entende como sendo importante para atingir um compromisso com o PSD e o CDS?”
E, do PS, a resposta a esta questão é, para já, oral e não escrita e com mais condições “indispensáveis”. Em relação à questão política Costa diz que “não disse que era a última oportunidade” nem gosta de “fazer ultimatos” e adiantou que vai fazer uma contra-proposta escrita à coligação com as “17 ou 18 medidas” que considera “indispensáveis” para início de conversa. Mas deixou uma garantia a dois meses da época festiva: “Não podemos olhar para as medidas do programa do PS como as bolas de Natal que vão enfeitar o programa que é a árvore de Natal da coligação”. Sobre se está mais inclinado para um Governo à esquerda ou à direita, o líder socialista mantém o tabu: empata de um lado enquanto avança do outro.
Quais são as medidas que Costa quer que a coligação ceda?
O secretário-geral socialista falou em “17 ou 18” medidas que são “lacunas graves” no documento que a coligação levou à discussão no Largo do Rato. Para já, conhecem-se estas:
De natureza geral:
“Centralidade que a política de emprego e combate à precariedade tem de ter na política económica”
As específicas:
- Reposição dos salários dos funcionários públicos;
- Combate à pobreza infantil
- Baixar o IVA da restauração
- Rever os escalões do IRS
- Redução das taxas moderadoras
- Prioridade à educação de adultos (Novas Oportunidades)
Perante o arrastar das negociações, Costa pôs o cronómetro a contar. Defendeu que os partidos já não “têm muito tempo” para negociar até porque “era bom” que para a semana nas conversas com o Presidente já houvesse um quadro mais definido. Mas o secretário-geral socialista não põe só o cronómetro político a contar, como também o económico e financeiro. “Não há nada pior que a incerteza”, disse.
Ora essa “incerteza” começou a alastrar nos mercados financeiros e terá sido por isso que na conferência desta terça-feira, Costa falou por duas vezes neles. Disse o líder do PS que
“é muito importante para o país, para os agentes económicos, para os investidores que rapidamente seja clara a solução de governo e se encontre estabilidade”.
Esta foi, aliás, a preocupação do dia de António Costa, que se desdobrou em entrevistas para meios internacionais como as agências Reuters e France Presse. Nessas entrevistas, tinha ido longe nas declarações ao dizer que estava em “melhores condições” que Passos Coelho para formar Governo, garantindo lá para fora que “o PS não é o Syriza” e por isso não quer abrir uma crise na zona euro. Na conversa com os jornalistas não o repetiu. Disse apenas que a coligação não compreendeu “o novo quadro parlamentar”, que o PS “não contribuirá para maiorias meramente negativas, que inviabilizem governo sem propor alternativas” e que por isso o PS tem “trabalhado para que esse governo alternativo seja possível e possa existir”. Até onde podem ir? Para já depende do PCP e do BE.
Foi com este quadro que Passos Coelho chegou ao Rato. Foi aliás o primeiro a chegar, sozinho, antes da hora marcada. O ar grave fazia supor a falta de esperança que o primeiro-ministro trazia para o encontro. E no final, depois de repetir a ideia de que é necessário saber em quê é que tem de ceder para início de conversa, desabafou: “Todos ganhamos em Portugal se pudermos ser céleres”.
Certo é que se à esquerda foram constituídas equipas técnicas de negociação, com o PSD e o CDS vão correr documentos escritos de um lado para o outro, sem que sequer haja nova reunião agendada. Resta saber quem ficará com o ónus do rompimento ou do acordo.
Mas do lado da esquerda, durante o dia desta terça-feira, saíram posições mais duras. PS e PCP tiveram hoje reuniões técnicas e os comunistas admitiram que são “difíceis” e que para já só chegaram a entendimento para a formação de governo e entrada em vigor, sem garantias para já para questões orçamentais. No largo do Rato, depois da reunião com Passos e Portas, o líder socialista admitiu que “o caminho não é fácil” e que espera que as negociações “corram bem” no campo técnico. Contudo, voltou a um clássico da vida política portuguesa para assegurar que o PS “não deixará o país no pântano”.
Se Costa admite estar a trabalhar num governo alternativo, Passos insiste que tem a “expectativa legítima” de que PSD e CDS “sejam chamados a formar Governo porque foram a coligação mais votada”. E acrescentou: “A aspiração legítima é governar e não pode ser de qualquer maneira. Temos que fazer concessões”.
No final duas certezas: “Não avançámos absolutamente nada”, desabafou Passos. E agora, poderá estar tudo nas mãos do Presidente da República.