Empréstimos. Foi sempre assim que a defesa de José Sócrates justificou as quantias transferidas pelo amigo Carlos Santos Silva para a conta do ex-primeiro-ministro. No entanto, o Ministério Público pode considerar um pormenor decisivo para comprovar a veracidade destas justificações: as férias que Santos Silva pagou a Sócrates.

Sócrates sempre alegou que os empréstimos recebidos tinham a ver com um período de grandes dificuldades económicas, mas, e segundo conta o jornal Sol, na sua edição impressa desta sexta-feira, já com o antigo líder socialista como primeiro-ministro, as férias eram pagas com dinheiro da conta do amigo Santos Silva. Para o Ministério Público, esta situação faz cair a tese do antigo governante.

O mesmo jornal refere que Nazaré Soares, funcionária da Top Atlântico, responsável pelas marcações e da faturação das referidas viagens, terá revelado ao procurador Rosário Teixeira o esquema de pagamento utilizado nas passagens de ano de 2008 e 2009.

Ou seja, era pedido pelo gabinete do primeiro-ministro para serem emitidas as faturas originais em seu nome, sendo depois anuladas. Era então emitida uma nova fatura, sobre as mesmas despesas, mas em nome de Carlos Santos Silva, que pagava através de cheques fracionados. Nas buscas terão sido ainda recolhidos alguns documentos que corroboram esta versão de Nazaré Soares, e que acrescentam informação em relação a viagens mais recentes como a de Formentera, no ano passado.

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Esta tese foi também confirmada por Rute Martins, ex-secretária de Sócrates em São Bento, avança também o Sol, adiantando que toda documentação foi por si arquivada por ordens do então primeiro-ministro. A secretária encaminhava as faturas enviadas pela agência para Santos Silva e solicitava-lhe os cheques necessários ao pagamento para, por sua vez, serem enviados à Top Atlântico. Os investigadores responsáveis pelo caso acreditam que este esquema servia para dificultar uma futura análise ao caminho que o dinheiro fazia, bem como camuflar a origem do mesmo.

A descoberta destes procedimentos terá sido um dos motivos para manter José Sócrates em prisão preventiva, por risco de manipulação de provas e perturbação de inquérito.

As viagens de verão a Menorca, em 2008, e a Veneza, em 2009, estão entre as férias investigadas e, nesses anos, o valor das faturas passadas ascendem aos 50 mil euros, mais de metade do que Sócrates recebia anualmente, englobando as contas dos familiares do político (companheira e filho) e do casal amigo.

Esta situação manteve-se até à queda do governo do PS em 2011. A partir daí, e utilizando a mesma agência de viagens, os pagamento eram feitos através de, alegadamente, transferências bancárias e entregues em dinheiro pelo motorista João Perna, numa altura em que Sócrates vivia em Paris.

Fisco diz que Sócrates deve 19 milhões

Ao mesmo tempo, e um ano depois da detenção do antigo primeiro-ministro, o coordenador da equipa da Autoridade Tributária responsável pela operação Marquês, Paulo Silva, fez uma sugestão ao Ministério Público que, a ser aceite, pode criar uma dívida de 19 milhões de euros a José Sócrates.

Ou seja, e como explica o Diário de Notícias, Paulo Silva propôs que todos os rendimentos provenientes de fontes ilícitas sejam tributados. Esta nova abordagem ao combate à corrupção está incluída num relatório intercalar de 900 páginas apresentado pelo inspetor das Finanças de Braga dias antes da detenção de José Sócrates. E depois fez as contas em relação ao antigo primeiro-ministro.

O objetivo seria uma “tributação presuntiva do rendimento” o que significa que, quando um contribuinte protagoniza um estilo de vida que não é compatível com os rendimentos declarados, pode ser utilizado o “regime de avaliação indireta”, pode-se ler no relatório citado pelo DN.

Aplicadas estas medidas ao caso Sócrates, o inspetor parte do princípio que o político é o “beneficiário final” dos 23 milhões de euros que foram transferidos para Portugal das contas suíças de Santos Silva. Por isso, e pegando nestes 23 milhões, quando a quantia foi transferida para terras lusas, Sócrates declarou 104 mil euros de rendimento num primeiro ano e 43 mil no ano seguinte. Assim, é acrescentado um milhão de euros, em 2010, ao rendimento não declarado e outros 22 milhões ao rendimento declarado em 2011. Aqui, as Finanças consideram o regime excecional de regularização tributária como nulo, acrescentando-se à base tributária um aumento correspondente a 50% como penalização à inexatidão e omissão na altura das transferências.

Feitos todos estes cálculos a conclusão é a de que José Sócrates deve mesmo 19 milhões de euros: “Os rendimentos em investigação nunca foram objeto de declaração fiscal pelo suspeito José Pinto de Sousa, que, nos últimos anos, apenas manifestou rendimentos relativos às atividades públicas”, acrescentou Paulo Silva, aqui citado pelo DN.