Já começa a ser recorrente ver Barack Obama a aproximar-se dos microfones com um semblante carregado que se torna depois numa expressão irritada. O discurso a apelar contra a legislação das armas nos Estados Unidos, e de condenação a mais um tiroteio que provocou a morte de pessoas, está também na ponta da língua de quem o ouve repetidamente. Tão repetidamente quanto os tiroteios que acontecem em território americano.

O New York Times recolheu notícias sobre tiroteios no país durante este ano e diz que ocorre mais do que um por dia. Houve atentados em 209 dos 336 dias deste ano, muitas vezes mais do que um por dia — o total é de 354 — o que dá a triste média. No total, e contando com o ataque que matou 14 pessoas na Califórnia esta quarta-feira, morreram 462 pessoas e 1.314 ficaram feridas neste tipo de ataques em 2015. E o ano ainda não terminou.

Duas bases de dados que acompanham os tiroteios que deixam quatro ou mais mortos ou feridos (a shootingtracker.com e a gunviolencearchive.org), não oficiais e que trabalham com base nos registos noticiosos, dão uma visão alargada deste fenómeno: desde janeiro, aconteceram pelo menos 354 casos deste género em cerca de 220 cidades em 47 estados.

O tiroteio em San Bernardino, na Califórnia, desta quarta-feira, e o que ocorreu na semana passada no Estado do Colorado num centro de planeamento familiar e que levou à morte de 3 pessoas, incluindo um polícia, são exemplo disso mesmo. Mas estas foram os mais recentes e os mais mediáticos. Porque há muito mais exemplos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

tiroteios nos EUA

Este gráfico representa a quantidade de tiroteios em massa que ocorreram este ano nos EUA. Em 209 dos 336 dias deste ano ocorreu pelo menos um tiroteio com 4 ou mais feridos ou mortes. (cada ponto encarnado diz respeito a um tiroteio deste género). NEW YORK TIMES

Uma organização sem fins lucrativos, a “Everytown for Gun Safety”, também se debruçou sobre esta matéria e estudou os dados disponíveis.

Com base nos estudos sobre tiroteios que deixaram 4 ou mais feridos ou mortos, a organização encontrou alguns padrões interessantes e reveladores. O primeiro dos quais conclui que em 11% dos casos, as autoridades médicas, académicas ou legais encontraram sinais de distúrbios mentais no atirador antes do ataque. Outro diz respeito à violência doméstica: em 57% dos casos, as vítimas eram familiares, antigos companheiros ou mantinham relações com o atacante. E metade das vítimas eram mulheres.

Mas há mais. Mais de dois terços dos tiroteios ocorreram em espaços privados, sendo que, cerca de 28% aconteceram em espaços públicos.

O estudo da organização também dá algumas luzes sobre a atual legislação da compra e venda de armas nos EUA: mais de 60% dos atacantes não foram proibidos de adquirir armas de fogo por anteriores delitos ou por outras razões. E a organização sugere, com base nestes mesmos dados, que existe uma menor probabilidade de ocorrerem assassínios em massa em Estados que exigam uma verificação de antecedentes criminais a todas as vendas de armas e uma ainda menor hipótese de os ataques serem protagonizados por pessoas que foram proibidas, por lei, de as comprarem.

Também um relatório do Serviço de Pesquisa Congressista americano relatou um ligeiro aumento de tiroteios com 4 ou mais vítimas mortais nos últimos anos. Ou seja, entre 2009 e 2013 ocorreram, em média, 22.4 ataques deste tipo por ano enquanto que, nos 5 anos anteriores, registaram-se 20.2.

O FBI também publicou um relatório em 2014, que dizia que apenas 2 dos 160 tiroteios registados entre 2000 e 2013 tinham mais do que um autor. E apenas 25 atacantes conseguiram escapar sem serem detidos, abatidos ou sem cometerem suicídio. 

O professor de justiça criminal da Universidade Estadual do texas, J. Pete Blair, e que trabalhou neste estudo do FBI explica ao New York Times que “os humanos em geral são adversos a matar outros indivíduos (…) muitas vezes a pessoa é socialmente isolada ou sem sucesso social, e isto cria uma situação onde se está por conta própria”.

Sobre os motivos que levam a estas mortes, Jeffrey Simon, professor de ciência política e que estuda assassínios em massa, afirma que as motivações variam consoante os atacantes: “Eles realmente cortam em todo o espectro de ideologias políticas e religiosas e outros ressentimentos. Você tem motivações pessoais, políticas, religiosas, criminais, ou simplesmente não tem motivações, em que o atirador põe em prática as suas fantasias. E a linha entre eles é muitas vezes difusa”.