O humor, aliado com o uso rudimentar, mas engraçado, do inglês, era todo dele: “Olá meus tubarões, sejam bem-vindos ao meu funeral”. Disse-o a sorrir, quase todos os dentes à mostra, assim que falou para os jornalistas o ouvirem antes da segunda mão de uma meia-final da Liga dos Campeões. Não era bruxo, nem tinha que ter um pau de vassoura e um caldeirão, para saber que os dias no Chelsea estavam contados. “Antes não sabia que ia ser o meu sucessor, agora já sei”, disse, até, sem mexer na boa disposição. Tinha toda a razão do mundo e, semanas depois, ia-se embora com 36 vitórias, 12 empates e 11 derrotas contadas na época. Claudio Ranieri saía talvez não por culpa dos números, mas culpado de não ser um treinador com estaleca para continuar a tomar conta de um clube com dono e jogadores milionários.
O texto começa com Ranieri porque pode ter sido dele a derradeira dentada para hoje sair do Chelsea o português que, em 2004, o italiano sabia que o ia substituir. Na segunda-feira, o Leicester do técnico que arranhava o inglês e que só no último jogo da primeira época na Premier League (2000/01) ouviu os jogadores a baterem-lhe palmas — por finalmente não precisar de um tradutor –, ganhou 2-1 ao Chelsea e fez com que os números passassem a ser um problema dos graves para José Mourinho. Foi a 11.ª derrota esta temporada, a nona no campeonato, que deixou a equipa apenas com um ponto a mais que os lugares de descida de divisão. Os tubarões já sentiam o sangue, agora conseguiam tocar-lhe. Nunca se falou tanto de um eminente despedimento de Mourinho.
O português também não é bruxo, mas há muito que o sabia e mesmo que não soubesse, os jornalistas lembravam-lhe a cada conferência de imprensa em que aparecia. Foi nelas que disse, uma e outra vez, que os jogadores do Chelsea não vinha a render o suposto, que a equipa não jogava o que sabia e, nos últimos tempos, que havia quem não estivesse a dar o máximo no campo. A derrota com a surpresa chamada Leicester, que Claudio Ranieri mantém a liderar o campeonato, levou Mourinho a fazer o que nunca fez: virar-se contra os jogadores. “Na última época fiz um trabalho fenomenal. Às vezes apanho-me a pensar que fiz um trabalho fantástico, visto que subi os jogadores a um nível que não é o deles e, a ser verdade, levei-os até um ponto em que, esta época, não conseguiram manter a super motivação para serem líderes e campeões. Essa é uma possibilidade”, disse o português, que até ali, em 15 anos a treinar, sempre fora (salvo umas picardias no Real Madrid) uma espécie de lobo a proteger um rebanho de ovelhas.
Agora não. A ordem da natureza endireitou-se e lobo deixou de proteger os jogadores que treina para focar neles o holofote da imprensa, que sempre tentou manter em si. “Eles têm de olhar para os rapazes do Leicester e sentir que eles é que são as estrelas, os jogadores de topo. Têm de olhar para o Sunderland e o Watford [os próximos adversários do Chelsea no campeonato] e dizer: ‘Estamos ao mesmo nível, eu não sou a super estrela, não sou o jogador do ano, não sou um campeão do mundo, não sou o campeão da Premier League. Neste momento, estou ao teu nível”, prosseguiu, dando recados subliminares a Eden Hazard, o tal jogador do ano, e Cèsc Fabregas, o tal campeão do mundo, e aos restantes a quem acusou de “estarem a trair” o treinador. Ninguém gosta de estar num tanque onde o tubarão seja quem manda nessas águas e este ataque ao balneário não terá caído bem nas pessoas que mandam em José Mourinho.
Ou seja, em Roman Abramovich, o mais que milionário russo que comprou o Chelsea em 2003, mandou Claudio Ranieri embora, fez o mesmo com Mourinho em 2007 — e voltou a fazer agora. Também não foi preciso à imprensa inglesa armar-se em bruxa para escrever que o dono e a direção do clube tiveram reuniões atrás de reuniões para chegarem à decisão que foi divulgada à hora de almoço desta quinta-feira. O problema é que, ao tirar este tubarão do tanque, Abramovich fica com poucos que poderão ou quererão lá mergulhar a esta altura do campeonato.
E agora, quem ocupa a cadeira?
Os jornais andam a vender a ideia de que a direção do Chelsea pretende arranjar um treinador com bom CV, muitos anos de profissão e que fale inglês para aguentar as coisas até ao final da época. Aí o objetivo, segundo o The Guardian e o Daily Telegraph, é ir atrás de Diego Simeone, homem que em 2011 começou a transformar o Atlético de Madrid na máquina de pressão que é hoje. Mas o problema está no salva-vidas que terá de haver entre o português e o argentino e aí é que entra um holandês. Guus Hiddink já socorreu o Chelsea uma vez, em 2008/09, depois de Abramovich despedir o bigode de Luiz Filipe Scolari, e até venceu um Taça de Inglaterra e só uma partida pregada pelo pé esquerdo de Iniesta (aos 90’) o impediu de chegar à final da Liga dos Campeões.
Caso o holandês diga que sim, é menos um problema em que pensar até ao final da época. Porque o Chelsea está hoje a 14 pontos dos lugares de qualificação para a Champions e, sem a ter, seria um cabo dos trabalhos convencer Simeone a trocar Madrid por Londres. Ou Pep Guardiola a preferir o Chelsea ao Manchester City, para onde já dizem que irá após deixar o Bayern. Ou fazer com que Carlo Ancelotti, italiano que foi campeão no Chelsea (2009/10), a ignorar o acordo de cavalheiros que já terá para substituir Guardiola em Munique — mesmo que já tenha dito que “tudo pode acontecer na próxima temporada”. É aqui que volta a entrar José Mourinho.
Nas últimas semanas, o português não parou de dizer que pretendia “continuar como treinador do Chelsea”. Mourinho até apareceu no treino matinal da equipa esta quinta-feira e os jornais escreveram que o técnico parecia estar “relaxado” e que não “fez quaisquer discursos especiais para os jogadores”. Mas só depois de o português vestir o fato de treino uma última vez é que Roman Abramovich o chamou ao gabinete para lhe voltar a dizer adeus. José Mourinho sai do Chelsea como o técnico com mais títulos conquistados no clube (oito) e com a maior percentagem de vitórias (66%) entre os treinadores com mais de 100 jogos feitos na Premier League. Mesmo assim, não era preciso ser bruxo ou tubarão para suspeitar que o que aconteceu hoje podia estar para breve.