Passou 438 dias perdido no mar, à deriva num pequeno barco de pesca, e assim ficou durante os quase 13 mil quilómetros que percorreu entre Chocohuital, na costa do Pacífico do México, e o atol de Tile, nas Ilhas Marshall. Ou quase, pois durante os primeiros dois de 14 meses, José Salvador Alvarenga teve a companhia do homem que embarcara com ele para uma pescaria. Só que Ezequiel Córdoba, às tantas, adoeceu e um dia houve em que não aguentou mais. Morreu e o pescador solitário quase enlouqueceu, encenando conversas com o falecido companheiro, enquanto julgava que estava apenas a dormir. Até que, seis dias volvidos e recuperada a sanidade, deitou o corpo ao mar.
Esta é um de muitos pormenores que Salvador Alvarado conta no livro que, após ser resgatado, escreveu com a ajuda de um jornalista. Ficou com o título “438 dias” e só depois de ser publicado é que a família de Ezequiel Córdoba o acusa, agora, de uma coisa — de se ter alimentado dos seus restos mortais para sobreviver. Ou seja, de praticar canibalismo. O El Salvador, jornal do país homónimo, escreve que a família de Córdoba está a exigir o pagamento de uma indemnização no valor de um milhão de dólares, o equivalente a cerca de 924 mil euros.
De nada valeu a Alvarado o cumprimento da promessa que fez a Ezequiel Córdoba, pouco antes de este falecer: “Pediu-me para contar à mãe dele que estava triste por não se poder despedir e por ela não poder cozinhar mais para ele. Que o devia deixar ir porque tinha ido com Deus”. O sobrevivente fê-lo e agora está a ser acusado de algo que, diz o seu advogado, Ricardo Cucalón, não se pode provar. “Acredito que é um processo de pressão para que ele [Salvador Alvarenga] pague parte do dinheiro atrás do qual todos andam, que não é assim tanto quanto se diz”, explicou, ao indicar que, nos EUA, apenas cerca de 1.500 exemplares do livro já terão sido vendidos.
Salvador contou que Ezequiel terá morrido após adoecer devido a toda a carne crua de peixe, tartarugas e aves que foram comendo, além da própria urina e da água salgada. A família de Córdoba, aliás, não o acusa de ter matado o pescador mexicano, considerando-o apenas culpado de canibalismo — algo que muitos países nem sequer consideram como crime. O Código Penal inglês e português, por exemplo, não prevê qualquer crime ou ofensa nesta matéria.