Se na corrida presidencial há muito que os divide, no que diz respeito aos efeitos secundários do caso Banif, Maria de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, Sampaio da Nóvoa e Henrique Neto estão de acordo: o pior que podia acontecer ao país era mergulhar numa crise política provocada por um eventual chumbo do Orçamento Retificativo. Mas nem todos os candidatos presidenciais pensam assim.

Ao Observador, Maria de Belém definiu o tom: “Como candidata presidencial vou investir sempre na estabilidade política e espero que [este processo] corra o melhor possível“. Desafiada a comentar as orientações de voto de PCP e Bloco de Esquerda, a ex-presidente do PS preferiu, no entanto, não se “pronunciar sobre as posições assumidas pelos vários partidos na Assembleia da República”.

Já Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações à Lusa, deixou um recado claro: “Não há condições neste momento para qualquer crise política. É indesejável e, certamente, o parlamento encontrará uma solução para viabilizar o Orçamento Retificativo”. “Espero que o Parlamento o faça [aprove o Retificativo] e, para o futuro Presidente da República é muito importante que o mandato se inicie numa situação de estabilidade e não de crise”, sublinhou, Marcelo.

Se Marcelo pediu ao Parlamento que não deixasse o Governo socialista desamparado, Henrique Neto, em declarações ao Observador, foi mais longe e chamou sociais-democratas e centristas à responsabilidade. Lembrando que “é absolutamente essencial” para a imagem do país na Europa, que o Parlamento seja capaz de aprovar o Orçamento Retificativo, “seria de esperar que PSD e CDS dessem a mão ao Governo” e aprovassem o Retificativo, “tendo em conta que são os mais responsáveis” pelo desfecho do caso. “A coligação andou a empurrar o problema ao longo de três anos” e “o próprio Ministério das Finanças tem grandes responsabilidades nesta matéria“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Também ao Observador, numa entrevista que será publicada no início de janeiro, António Sampaio da Nóvoa pediu estabilidade política na condução do processo “Banif” – e o primeiro teste passará já pela aprovação ou não do Orçamento Retificativo.

Desafiado a comentar o sentido de voto do PCP, Edgar Silva, candidato apoiado pelo partido comunista, preferiu não comentar a questão. “Não me cabe, enquanto candidato, tecer comentários” sobre essa matéria, adiantou ao Observador.

Paulo Morais acaba por ser a voz mais dissonante entre todos os candidatos ouvidos pelo Observador. “O Orçamento Retificativo deveria ser reprovado“, o que implicaria a anulação do processo de venda do Banif, defende o ex-número 2 de Rui Rio na Câmara do Porto.

O candidato acredita, aliás, que a operação de venda do banco deveria ter sido “imediatamente anulada” pelas entidades reguladoras assim que começaram a circular as primeiras notícias sobre o encerramento do banco – divulgadas, numa primeira fase, pela TVI, argumenta. “O país assistiu na última semana a uma das mais graves campanhas de manipulação da opinião pública“. Resultado? A fuga de depósitos e o acentuar da agonia do banco.

No futuro, e com a reversão da venda do banco ao Santander, deveria ser encontrada uma solução para o banco suportada pelo “fundo de resolução” e pelos “maiores depositantes” do banco. E não esta, que acaba por “penalizar todos os contribuintes”, sublinha Paulo Morais. “Não é aceitável que o Estado gaste mais 2 mil milhões de euros” com o Banif, remata o candidato presidencial.

O Orçamento Retificativo, discutido e aprovado na reunião do Conselho de Ministros de segunda-feira, conta com uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a medida de resolução do Banif, e vai ser debatido e votado esta quarta-feira no Parlamento.

O PCP, no entanto, já anunciou que vai votar contra o diploma – estão contra a solução encontrada por António Costa para o Banif porque discordam que os encargos sejam transferidos para os contribuintes. Catarina Martins, por sua vez, impôs condições duras ao Governo socialista para aprovar o Orçamento Retificativo. O Retificativo está, por isso, nas mãos da direita: ao PS, bastará que a direita se abstenha para que o documento conheça a luz do dia.

Henrique Neto com “mixfeelings”. Edgar Silva defende nacionalização do Banif

O Santander comprou o Banif por 150 milhões de euros, mas a solução envolve um apoio público de 2255 milhões de euros – ou seja, vai obrigar os contribuintes a suportarem, em parte, a queda do banco. A maioria dos candidatos presidenciais reconheceu que a solução é penosa para os contribuintes, mas foi a possível. Henrique Neto e Edgar Silva têm, no entanto, uma posição diferente.

A venda do banco nas condições em que está a ser feita é um escândalo“, atira o candidato presidencial, referindo-se aos 150 milhões oferecidos pelo banco espanhol. A solução deveria passar pela “nacionalização do Banif“, de forma “estudar melhor a situação do banco”, atira Henrique Neto, antes de definir a receita: o Governo deveria, depois, dar um mandato à atual administração do banco para vender a instituição em condições mais atrativas. Uma administração que, diz Neto, “é credível” e capaz de o fazer nas melhores condições.

O candidato presidencial reconhece, no entanto, que o processo de resolução aplicado ao Banif lhe traz “mixfeelings“: por um lado, porque obrigou “a uma injeção de capital” que vai trazer custos para os contribuintes e porque ao Estado restam apenas “os esqueletos do armário” do banco entretanto adquirido pelo Santander. Ainda assim, a integração do Banif na Caixa Geral de Depósitos (CGD) também não seria a solução ideal, porque, ao longo dos anos, já foi “provada a incapacidade dos sucessivos Governos de gerirem bem a CGD”.

De uma coisa, no entanto, Henrique Neto tem a certeza: Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, não deve ser afastado do cargo. “É verdade que não correspondeu às expectativas do país”, mas, pelo menos, “tenho a certeza que ele não vai calar-se” perante eventuais pressões deste Governo nem “vai ser um pau-mandado” deste Executivo.

Posição diferente tem Edgar Silva. O candidato presidencial apoiado pelo PCP acredita que Carlos Costa não tem capacidade para assumir a função de governador do Banco de Portugal. “O suposto regulador nada fez ou nada faz. Já lá vão vários casos em que o Governador do Banco de Portugal mostra uma incapacidade para cumprir os seus deveres. Mais parece estarmos a pedir a alguém que tenha a função de uma raposa para vigiar um galinheiro“, criticou o comunista, numa declaração por escrito que fez chegar ao Observador.

Edgar Silva defende, aliás, “a necessidade de que seja garantida a defesa do interesse nacional, só possível com a afirmação da soberania do País e uma política que assegure a recuperação para o Estado do controlo público sobre a banca”.

Em relação ao papel do Governo de Passos Coelho na crise que conduziu à resolução do Banif, só críticas. “Trata-se de um verdadeiro crime económico, em que se exige o apuramento das responsabilidades políticas. O anterior governo (PSD/CDS-PP) protagonizou uma prática dolosa porque sabiam claramente que iam lesar o bem público e quem é que iria assumir com os encargos. Isto é grave e representa uma situação de responsabilidade política que requer urgentemente apuramento”.

O Observador tentou contactar outros candidatos presidenciais, mas não foi possível obter qualquer reação.