David Bowie visitou pela primeira vez Portugal em 1990. Na altura, o velho Estádio de Alvalade nem chegou a estar a meio gás. Dos vários milhares de bilhetes, apenas se vendeu metade. Seis anos depois, quando voltou, o cantor encontrou um cenário diferente — mas pior. A adesão à segunda edição do Super Bock Super Rock, então no Passeio Marítimo de Alcântara, foi tão pouca que a organização decidiu abrir as portas a quem não tinha bilhete. Das duas vezes, não houve uma multidão à espera de Bowie.
Luís Manso assistiu aos dois concertos do músico britânico em Portugal. Passados 25 anos, admite que nunca se conseguiu esquecer da primeira vez que viu David Bowie em cima de um palco. “Foi o primeiro concerto a que fui”, contou o jornalista ao Observador. “Tinha 16 anos e fui com a minha irmã, que tinha 18. Estava muito triste porque tinha perdido no ano anterior aquele que podia ter sido o concerto da minha vida, os The Cure, então ela levou-me ao David Bowie.”
O músico andava em digressão, a propósito da Sound+Vision Tour. Dois dias antes tinha tocado no Rockodromo Arena, em Madrid, de onde tinha partido a bordo de um carro na companhia de um médico, uma enfermeira e um fisioterapeuta, relatou o jornal Blitz. Chegou a Lisboa no dia 14 de setembro, para um concerto único no Estádio José de Alvalade, a catedral da música dos anos 90.
Luís Manso guarda ainda na memória cada pormenor do espetáculo — o estádio aparentemente cheio, a figura incontornável de Bowie. “Foi uma coisa extraordinária, entrar num espaço daqueles. De repente, deparei-me com uma coisa totalmente única, porque na altura não havia festivais. Dei por mim num espaço enorme, com uma figura daquelas. Porque o David Bowie já era o David Bowie, com os grandes êxitos em lista.”
Na altura, porém, nem todos partilharam do entusiasmo de Luís Manso. Segundo relata a edição de 17 de setembro do Diário de Lisboa, foram vários os espectadores que, no final do concerto, acusaram Bowie de ser “chato” e de não ter ritmo. “É evidente que os novos admiradores da sua obra não conseguem entender uma ordem de temas que se iniciou com ‘Space Oddity’ para atacar de imediato com ‘Rebel Rebel’, dando lugar a ‘Ashes to Ashes’, ‘Life on Mars’ e ‘Stay'”, escreveu a jornalista Maria José Belo Marques. Em 1990, para a grande maioria dos ouvintes, Bowie continuava a ser um músico difícil de ouvir.
Já Aníbal Cavaco Silva, que esteve presente no concerto, considerou ter sido “um grande espetáculo”, mas que era “do tempo dos Beatles”. O então primeiro-ministro, que admitiu ter ido ao evento por insistência dos filhos e porque “estava interessado em ver como é um espetáculo de rock”, disse à Lusa recordar com saudade a banda de Paul McCartney, e que às vezes tinha dificuldade em adaptar-se “a este barulho muito mais forte do que os do meu tempo”.
Futebol e Cavaco
Foi em 1996, em pleno Europeu de futebol, que David Bowie visitou pela segunda vez Portugal. O Super Bock Super Rock, criado em 1995 por Luís Montez e Álvaro Covões, ia na segunda edição. A primeira, realizada em 1995, tinha sido um sucesso, com bandas como The Young Gods, Faith No More e The Cure. “Eles repetiram a mesma dose”, lembra Luís Manso, porque as “pessoas tinham adorado”. Porém, a poucos dias do festival, os bilhetes vendidos eram poucos. Com muito menos público e com o Super Bock Super Rock prestes a tornar-se um fiasco, a organização decidiu oferecer bilhetes aos estudantes universitários. Quem tivesse cartão de estudante, não pagava.
Mas, mesmo assim, não foi suficiente. O terceiro dia do festival — o dia de Bowie — era o menos apelativo, com nomes como a sueca Neneh Cherry e os portugueses Primitive Reason. Por esse motivo, foi também o que teve menos gente. A piorar a situação surgiu o jogo de Portugal, que disputava no mesmo dia os quartos-de-final do Euro de 1996. O recinto do Passeio Marítimo de Alcântara estava de tal modo vazio que a organização acabou por abrir as portas a quem quisesse entrar. Infelizmente para os que ficaram em casa, a seleção perdeu 0-1 e foi desqualificada da competição.
Passados seis anos, muita coisa tinha mudado na vida de Luís Manso. “Já ouvia outros sons, até mais pesados. O David Bowie já não me dizia nada.” Por causa disso, confessa que o concerto não ficou gravado na memória da mesma forma que o de 1990. “Não guardei grande memória. Lembro-me bem dos Prodigy, foi um concerto impressionante”, recorda. “Lembro-me que assisti um pouco ao concerto, que foi completamente diferente do do Estádio de Alvalade. A dinâmica era diferente.”
Apesar de hoje em dia preferir o Pornography dos The Cure a qualquer álbum de David Bowie, Luís Manso não perde tempo em referir a enorme influência que o músico e o mítico concerto de 1990 tiveram nele. “Tinha começado a tocar guitarra e fascinou-me muito vê-lo. Foi também nessa altura, entre 1990 e 1995, que comecei uma banda. O nosso vocalista era completamente influenciado pelo David Bowie e pelo Peter Murphy. As similaridades eram tantas que ele até tinha um olho de vidro. Por isso, cresci muito ligado a este lado meio misterioso e camaleónico do David Bowie.”